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Aulas de política, por favor

Aulas de política, por favor

Eunice Lourenço

Editora de Política

RUI DUARTE SILVA

Este domingo, no regresso do congresso do PSD, jantei em casa de uma das minhas primas. E perguntei aos filhos mais velhos, o que aprenderam nas aulas de Cidadania. “Nada”, responderam quase em uníssimo, manifestando satisfação por já não terem estas aulas como disciplina autónoma. Ela, com 16 anos, menina exemplar e responsável, parece ter achado um desperdício de tempo; já ele, com 14 quase 15, ainda disse que faziam trabalhos sobre vários assuntos.

A resposta desta minha micro e muito particular amostra de domingo à noite, mostra que pode haver razão para mudar o programa da disciplina de Cidadania, o anúncio mais aplaudido do discurso final de Luís Montenegro. Afinal, se há uma disciplina em que os alunos não identificam o que aprendem, alguma coisa não estará muito bem. Mas a resposta deles também parece tirar toda a razão aos que dizem que esta disciplina está sujeita a “amarras a projetos ideológicos ou de fação” ou que serve para “impingir às crianças a agenda ideológica esquerdista”.

A Joana Pereira Bastos explica aqui o que é suposto ser esta disciplina. Das conversas que vou tendo com pais e alunos cada vez que a Cidadania vem à baila, tenho a ideia de que nesta, muito mais do que nas disciplinas clássicas ou tradicionais, as aulas dependem sobretudo de quem as dá, conteúdos incluídos.

Sim, acho que é preciso, seja em Ciências, Biologia ou Cidadania, falar sobre sexualidade, porque há pais que não sabem ou não querem falar de sexo com os filhos. Sim, acho que é preciso falar de tolerância e respeito pela diferença, seja em História ou em Cidadania, porque nem todos os educadores são tolerantes. Sim, acho que é preciso falar de ecologia, seja em Geografia ou Cidadania. Tal como também acho que é preciso falar de literacia para os media, porque, como ainda recentemente nos mostrou o primeiro-ministro, há muitos adultos que precisam de noções básicas. E acho, sobretudo, que é preciso falar de política: dar noções básicas de funcionamento e organização dos sistemas políticos, visitar as instituições, explicar quando votamos, o que votamos e para que é que votamos. Como é que formamos cidadãos se não lhes damos os instrumentos para exercerem o nobre ato cidadão de votar?

Provavelmente falar de política em aulas de Cidadania também implica riscos de “amarras a projetos ideológicos”, mas prefiro uma escola e uma democracia que correm riscos do que uma escola e uma (não) democracia que evitam falar de sexo e de política e se alheiam das outras formas como esses assuntos e outros chegam aos jovens.

Que as mudanças numa disciplina que pretende formar melhores cidadãos tenha sido o momento alto do discurso de Luís Montenegro diz muito sobre o PSD que esteve reunido em Congresso. Com o Orçamento arrumado (pelo menos, por enquanto), com Marques Mendes a não causar entusiasmo, com muitas preocupações autárquicas por arrumar, pouco, muito pouco pareceu mobilizar os congressistas.

Criticar o PS, como apostaram em fazer Hugo Soares e Carlos Moedas, podia dar alguns aplausos, mas convém não hostilizar demasiado o parceiro orçamental (que reúne hoje a sua Comissão Política), pois ainda há um complicado processo de especialidade pela frente; afrontar o Chega também é arriscado quando o líder teve umas reuniões que causaram polémica que quer que passe.

Sem um inimigo claro, sem uma maioria estável e com um sentimento dúplice sobre ir a eleições quanto antes ou mais daqui a ano e meio, com vários ministros a levaram ao palco o discurso da estabilidade tão caro ao centro, Luís Montenegro fez o que lhe parece mais útil: começar a alargar eleitorado, com medidas para áreas – como a segurança e imigração – que a direita explora e com uma amostra de discurso ideológico – sobre a polémica disciplina de Cidadania – que mostra como percebeu como o eleitorado do PSD se tem tornado mais conservador.

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