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A linha da vida morre na palma da mão

A linha da vida morre na palma da mão

Jorge Araújo

Editor da E

Em quantas linhas se diz adeus a um filho? Em quantas linhas nos despedimos de nós mesmos? Em quantas linhas cabe a maior das misérias?

O desespero tem 21 linhas. O pior dos desesperos conta 122 palavras, dois números, reticências com quatro pontos.

Há despedidas maiores do que a vida.

Uma mulher deixou o seu bebé numa porta. A lembrar a roda. Agasalhado e com uma carta. 21 linhas de amor. E desespero.

A miséria daquela mãe revela o pior da nossa sociedade. O pior de quem somos. Naquelas linhas, somos todos um reflexo envergonhado num espelho embaciado.

Há cartas de amor que destapam os pés do mundo. Esta destapa o corpo inteiro.

uma criança entregue à sorte e uma mulher entregue ao azar. Há quanto tempo andará nas mãos do desespero? Aqui, ao nosso lado, no Cacém. Aqui, sem nenhum de nós a ver.

O desespero invisível até se fazer carta. Até 21 linhas e 122 palavras nos sacudirem a consciência.

A linha da vida morre na palma da mão. Na mão de uma mãe que se despede de um filho. E que vai ter de aprender a fazer o luto de um filho vivo.




Uma águia ferida na asa

Se o futebol ainda fosse aquele jogo mágico e universal, que desconhece fronteiras, hoje o dia seria de festa.

Mas o futebol é cada vez menos bola, cada vez mais jogo fora das quatro linhas.

Hoje, arranca a nova temporada.

Ainda sem público, é certo, mas com milhares de adeptos a rezarem pelo emblema do coração.

O Benfica vai medir forças com uma das revelações da última época, o Famalicão.

O outro jogo da noite coloca frente a frente o Guimarães e o Belenenses SAD.

Mas, se reparar bem, no últimos dias, pouco se tem falado do jogo jogado. Os dribles de Everton Cebolinha e as arrancadas de Grimaldo parecem ter ficado em segundo plano.

O que alimenta as notícias são os casos de justiça que envolvem Luís Filipe Vieira. E a revelação, feita pelo Expresso, de que António Costa a Fernando Medina fazem parte da Comissão de Honra de Vieira à liderança dos encarnados.

O presidente do Benfica defende-se dizendo que está a ser vítima de uma das campanhas mais hipócritas e demagógicas de que tem memória. E retirou António Costa e Fernando Medina da comissão de honra da sua candidatura. Eles e todos os “titulares de cargos públicos”.

As coisas não correm bem a Filipe Vieira fora das quatro linhas. Dentro também não. Na terça feira, o Benfica perdeu com o PAOK e disse adeus à Champions. Aos milhões da Champions.

Sem dinheiro em caixa – e agora vou falar futebolês - vai ser difícil comprar mais um ponta de lança matador e investir no tal oito que ainda falta. Vai ser difícil construir a equipa de sonho de Jorge Jesus.

O Benfica é uma águia ferida na asa. Mas vai ter de começar a voar. Caso contrário, os dias de Luís Vieira vão ficar ainda mais complicados.

OUTRAS NOTÍCIAS


Covid. Os números começam a ser preocupantes. Para que o país não volte a parar é preciso sensibilizar os portugueses para o agravamento da situação pandémica.


Por isso, o Primeiro-ministro decidiu convocar uma reunião de emergência com o gabinete de crise, que acompanha a evolução da Covid-19 em Portugal. É hoje, às 11h30, no Palácio de São Bento.


Não havia tantos infectados desde 10 de Abril – na contabilidade oficial, ontem registaram-se dez mortos e 770 novos casos



Covid I. É oficial. O jogo entre o Sporting e o Gil Vicente, marcado para este sábado, foi adiado. A notícia foi confirmada pela Direção-Geral da Saúde. Não se pode dizer que tenha sido uma surpresa.


O Gil Vicente tem identificados 19 casos de Covid-19, 11 dos quais são futebolistas. E o Sporting tem também 10 casos no plantel, mais dois no staff, incluíndo o treinador Rúben Amorim A Liga vai ter de encontrar uma nova data para o encontro.


PSD. Foi sem surpresa que Adão e Silva foi nomeado líder da bancada parlamentar do Partido Social Democrata. O candidato único conseguiu amealhar 81% dos votos.“É uma prova de grande unidade”, declarou na hora da vitória.


Justiça. Prossegue o julgamento de Rui Pinto. Hacker para uns, whistleblower para outros, ninguém duvida que ainda guarda muitos coelhos na cartola.


Ontem, o inspetor da PJ que investigou o caso reconheceu que pediu ajuda ao advogado da Doyen para localizar Rui Pinto. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.


Coima. O Banco de Portugal aplicou uma nova coima a Ricardo Salgado. Desta vez, o banqueiro de triste memória vai ter de pagar quatro milhões de euros num num caso relacionado com o Processo Eurofin. O Pedro Candeias e ao Diogo Cavaleiro explicam os pormenores.


Trump. O presidente norte-americano continua a fazer manchete nos jornais. Quase sempre por más razões.

Agora Trump foi acusado de assédio sexual por uma antiga modelo. Os factos remontam a 1997 e terão acontecido num torneio de ténis do Us Open.


Amy Doris, então com 24 anos, disse que se sentiu “doente” e “violada” após o ataque.




O QUE EU ANDO A LER

Uma vez, a Revista Atual, o suplemento cultural do Expresso de que fui editor durante vários anos,

teve como tema de capa “Os 50 livros que toda a gente deve ler”. Não há dúvidas de que é uma escolha difícil, redutora, muitos conseguem dizer mais de cinquenta livros que o marcaram.


Mas os artigos estavam bem escritos, os critérios de escolha eram honestos. Daqueles cinquenta livros, tinha lido a maioria – “Geurra e Paz” de Lev Tolstoi, “Ulisses” de James Joyce, “O Coração das Trevas” de Joseph Conrad, “Moby Dick” de Herman Melville, “O Som e a Fúria” de William Faulkner e por aí adiante.


Mas há ainda uma mão-cheia que me escapa, alguns repousam há anos na minha biblioteca. É o caso de “O Homem Sem Qualidade” de Robert Mussil, “A Montanha Mágica” de Thomas Mann, “A Terra Sem Vida” de T.S.Eliot e de mais um outro.


Quantas vidas são precisas para lermos todos os livros de que gostamos?


O QUE EU GOSTARIA DE DANÇAR
Nos últimos tempos, tenho-me lembrado de um velho amigo, um dançarino de passo certo, que enchia qualquer sala de baile com a sua magia.


Sempre que o elogiava, invariavelmente, respondia-me: “Eu não danço, escrevo no chão”. E eu sorria como quem confirma, afinal, vi-o escrever algumas das mais belas histórias de amor.


Tenho-me lembrado muito dele nestes dias estranhos, dias em que o toque é amaldiçoado e a distância é lei. Para quem, como ele, gosta de dançar, a vida não está fácil.


Por isso é sempre um bálsamo constatar que uma música conquistou o mundo pela diversidade de coreografias que inspira. Não sei se já ouviu falar da sul-africana “Jerusalema”, mas vale a pena ouvir.


Não sei qual a versão que mais me encanta. Se esta, esta, ou esta. Pensando melhor, escolho a de um grupo de miúdos de um bairro pobre do Uganda. Porque, às vezes, é preciso muito pouco para ser feliz.




O QUE EU ANDO A OUVIR


Ainda me lembro, como se fosse hoje, da primeira vez que a ouvi cantar. Foi num bar, ali para Alcântara, que nos maravilhosos anos noventa do século passado, era um dos pousos preferidos dos amantes da música africana em Portugal.


O bar, propriedade do músico Dany Silva era pequeno, tão pequeno, que às vezes nele não cabia um pensamento.


Lembro-me dela a avançar para o palco com o passo tão leve quanto decidido. A sorrir. Sempre a sorrir. E de abrir a voz, essa voz doce e melodiosa, que não deixa ninguém indiferente.


Com Nancy Vieira foi amor à primeira melodia.


Desde então, acompanho a sua caminhada. Ela avança pé ante pé, nunca faz ondas, sabe que a voz é o seu melhor cartão de visita. Foi a voz dela que embalou a festa de nascimento dos meus filhos mais novos.


E é assim que vai conquistando o mundo, embaixadora de um país que o pai, antigo guerrilheiro do PAIGC, ajudou a criar.


Atrevo-me a dizer que, juntamente com Lena França e Maria Alice, outras vozes de ouro, são das melhores intérpretes da morna, esse género musical que embala a alma de todos os cabo-verdianos.


Tenho um resto de bom dia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JMSAraujo@expresso.impresa.pt

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