As efemérides costumam ter lugar no final desta newsletter. Mas esta merece ser puxada para a cabeça: hoje assinala-se o dia internacional contra a corrupção (instituído pelas Nações Unidas desde 2003), uma "pandemia" que, segundo as estimativas das Nações Unidas, custa todos os anos o equivalente a mais de 5% do PIB mundial (um bilião de dólares só em subornos; 2,6 biliões que são roubados à economia). Nos países em desenvolvimento, a corrupção consome dez vezes mais do que os montantes destinados oficialmente ao crescimento económico e social. Se os números não o impressionam...
Em Portugal, o Governo quer mostrar que está verdadeiramente empenhado em combater o flagelo. Como? Para já, escreve-se no Expresso, chamando os principais atores da Justiça a participarem na definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção que terá de estar concluída em abril. Às medidas previstas no programa do Governo, juntam-se agora mais quatro: facilitar a denúncia premiada (admitindo uma redução de penas para os denunciantes), permitir a negociação de sentenças em fase de julgamento, evitar a constituição de mega-processos e assegurar que os juízes que apreciam estes casos têm o mínimo de experiência (aqui está algo verdadeiramente surpreendente na sua gravidade: mas não era suposto terem-na já?). Acreditemos que sim, que agora é que é. Com a consciência que no que respeita à vontade política e à sua transformação em atos concretos é preciso ter tanta paciência como a que se exige para esperar pelos resultados do julgamento de José Sócrates na Operação Marquês ou de Ricardo Salgado no processo do BES.
Celebrações do dia não faltam: as oficiais decorrem este ano em Guimarães, numa organização conjunta da Câmara Municipal e das associações Transparência e Integridade, Frente Cívica e Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira. Ana Gomes, há muito paladina desta causa, é uma das oradoras convidadas. Curiosidade: soube-se este fim-de-semana que Isabel dos Santos quer 5.000 euros por cada dia que passe sem que Ana Gomes apague os posts que publicou no Twitter há dois meses e onde acusa a empresária angolana de “lavar [dinheiro] que se farta”. “De maneira nenhuma considero apagar esses tweets", garantiu a antiga eurodeputada socialista (ao jornal online ECO).
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, estarão presentes numa conferência sobre o tema, à tarde, em Lisboa. Ainda na capital há um seminário organizado pela OBEGF, OCC, ISCAL e ICSP dedicado a “Finanças, Ética, Fraude e Corrupção”. Já o Conselho de Prevenção da Corrupção leva a cabo uma iniciativa na Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, com a presença do Presidente do Tribunal de Contas, dos conselheiros do CPC, do Comité Olímpico e de alguns atletas olímpicos. Sim, porque, como se sabe, também há corrupção (e não será pouca) no desporto.
Coincidências de calendário: em Paris, a justiça francesa começa a julgar hoje o recurso do vice-presidente da Guiné Equatorial, ‘Teodorin’ Obiang (filho do ditador), da condenação a três anos de prisão (com pena suspensa) por branqueamento de dezenas de milhões de euros provenientes de corrupção no seu país. Por cá, em Santarém, prossegue o julgamento do recurso das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal, em 2017, a Ricardo Salgado (350 mil euros) e Amílcar Pires (150 mil euros) por ausência de medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo em unidades do então Banco Espírito Santo no estrangeiro.
OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO...
A exatamente uma semana do dia em que é esperado que o Governo entregue na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 2020, e a dois dias do início do Conselho de Ministros que tratará da sua aprovação, há reunião da Concertação Social com a presença do primeiro-ministro. A agenda prevê que se discuta o acordo de médio prazo sobre competitividade e rendimentos (onde consta um aumento salarial de 2,7% já no próximo ano), mas os patrões já avisaram: sem medidas fiscais imediatas para aumentar a competitividade das empresas não há acordo nenhum. Ontem, na SIC, Marques Mendes assegurou que o Orçamento dará “prioridade ao apoio às empresas”, o que parece, portanto, ir ao encontro das pretensões dos patrões. Mais logo, é a vez do secretário de Estado da Administração Pública, José Couto, se reunir com os sindicatos da Função Pública sobre a proposta de Orçamento. As carreiras estão descongeladas mas não há aumentos efetivos desde 2009, que é o que agora reivindicam os funcionários públicos.
Marques Mendes deu ainda (outras) notícias sobre o Orçamento do Estado: que “prevê mais investimento e mais dinheiro para a Saúde, Habitação e Forças de Segurança” (falta saber quanto mais) e que não haverá mexidas no IRS. Mas, mais importante, segundo o comentador o Governo vai propor à Comissão Europeia (a propósito, há Conselho Europeu quinta e sexta-feira) "que a taxa de IVA possa variar em função do escalão de consumo. Ou seja, quem consome mais, paga mais”. Uma espécie de solução intermédia que não correspondendo totalmente às exigências de BE e PCP (que queriam a baixa liminar do IVA da eletricidade e gás de 23% para 6%) pode ser suficiente para os convencer a que pelo menos se abstenham na votação do documento. Os ex-parceiros do PS na "geringonça", aliás, não têm poupado nos avisos; ainda ontem, Catarina Martins lembrava a António Costa: "O PS não teve maioria absoluta. Tem mesmo de negociar para ter um Orçamento do Estado".
Há quatro escolas portuguesas no ranking do Financial Times, divulgado hoje, que elenca as melhores escolas económicas europeias. A Nova School of Business and Economics mantém o 30º lugar na lista, de que fazem parte também a Universidade Católica, o ISCTE e a Universidade do Porto.
Alexandre Alves Ferreira fez-se passar por Duarte Vaz Pinto, assessor do Presidente da República, para solicitar donativos para vítimas dos incêndios de Pedrogão em nome de Marcelo Rebelo de Sousa, como conta aqui o Rui Gustavo. A Casa Civil da Presidência da República apresentou queixa ao Ministério Público, que acusa o burlão de sete crimes de abuso de designação, sinal ou uniforme e um de falsidade informática. O julgamento tem sessões agendadas para hoje e amanhã.
No tribunal de Monsanto prossegue o julgamento das agressões a jogadores e técnicos do Sporting, na Academia de Alcochete, em maio de 2018. O caso tem 44 arguidos, entre os quais o ex-presidente do clube, Bruno de Carvallho.
O Iniciativa Liberal tem novo líder: João Cotrim Figueiredo foi eleito ontem à tarde para o lugar de Carlos Guimarães Pinto (que deixara o cargo na sequência das legislativas), com 96% dos votos. Agora está tudo como mandam os manuais: o deputado único eleito pelo partido a 6 de outubro é também o presidente do partido. A ver como corre a legislatura ao IL, que quer alargar o seu lugar ao sol no muito disputado espaço mais à direita do hemiciclo. Já hoje apresenta na Assembleia da República um projeto de resolução "para impedir qualquer injecção de capital do Estado no fundo de resolução da banca".
Algures durante o dia de hoje saber-se-á o que concluiu, afinal, a Assembleia do Livre sobre a relação da sua única deputada, Joacine Katar Moreira, com o partido. Há/houve conflito ou não? É ou não sanável? A reunião que começou ontem de manhã prolongou-se até depois da meia-noite. Já passava da uma quando chegou às redações um comunicado onde se conta que o debate foi "muito produtivo" e "permitiu o encontro de posições comuns a serem incluídas numa resolução", resolução esta que só hoje será votada.
...E LÁ FORA
Hong Kong está de novo na rua. A Frente Civil dos Direitos Humanos (FCDH) assinalou ontem os seis meses do início da mobilização pela democracia, que começou com uma manifestação em 9 de junho contra um projeto de lei que pretendia autorizar extradições para a China (entretanto retirado). Os organizadores da manifestação (pacífica) deste domingo falam em 800 mil nas ruas; a polícia diz que não terão chegado aos 200 mil. Os manifestantes querem reformas democráticas e uma investigação à repressão policial, entre outras exigências.
Final countdown para as eleições de 5ª feira no Reino Unido que, segundo todas as sondagens, conduzirão à vitória de Boris Johnson. O Público, ontem, trazia uma entrevista com Roger Eatwell (conteúdo exclusivo para assinantes), um professor da universidade de Bath que explica por que é que o atual primeiro-ministro vai continuar no poder: "É o político melhor posicionado para resolver finalmente o Brexit". E isto, acrescenta, apesar da sua imagem pública ser a de alguém "que é desonesto e apenas se guia pelos seus interesses pessoais".
Em Paris, os líderes dos países do chamado Quarteto da Normandia - França, Alemanha, Rússia e Ucrânia - reúnem-se para procurar recuperar o acordo de Minsk. O entendimento, que foi assinado em 2014 mas nunca chegou a entrar em vigor, visava sanar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia mediante um cessar-fogo imediato, a retirada de armas pesadas, a restauração do controlo territorial na fronteira com a Rússia por parte de Kiev e maior autonomia para a zona sob controlo separatista. 5.000 manifestantes apelaram, este domingo, em Kiev ao Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky - que vai estar cara-a-cara com Vladimir Putin - para não ceder à pressão de Moscovo.
Em Madrid, prossegue a COP25, a cimeira sobre Alterações Climáticas. Já há um esboço do documento final, escreve o Público. Falta agora o mais difícil: as decisões políticas.
Nos EUA, há reunião da comissão da Câmara dos Representantes responsável por redigir a acusação oficial contra Donald Trump. Esperam-se resultados concretos até ao final da semana e votação do impeachment no Congresso ainda antes do Natal. No New York Times (versão só em língua inglesa) lamenta-se que "um processo consagrado na Constituição como sendo a forma mais consequente de lidar com a má-conduta de um Presidente se tenha transformado num estridente conflito partidário".
E para desanuviar: conhecem-se hoje os nomeados para a 77.ª edição dos Globos de Ouro, que costumam ser vistos como a antecâmara dos Óscares. Pode seguir a divulgação da lista, em direto, a partir das 13h00, aqui. Os prémios serão entregues a 5 de janeiro, numa cerimónia apresentada pelo comediante britânico Ricky Gervais.
FRASES
"O sentido de voto do BE no Orçamento do Estado está completamente em aberto"
Catarina Martins, líder do BE
"O PS não teve maioria absoluta. Tem mesmo de negociar para ter um Orçamento do Estado"
idem
"Não se pode ter uma opinião [sobre o Orçamento do Estado] sem conhecer os conteúdos. Mas os sinais que vêm não são bons"
Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP
"Estou totalmente em desacordo que a oposição, seja ela qual for, neste caso a do PSD, deva ser uma oposição destrutiva e completamente bloqueada. Ou seja, que vote contra tudo só porque vem do Partido Socialista ou do PCP"
Rui Rio, presidente do PSD
“Se Rui Rio ganhar as eleições do PSD este Governo dura quatro anos"
Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto
“Não existe conflito absolutamente nenhum. Há uma relação de diálogo e de entendimento”
Joacine Katar Moreira, deputada do Livre, sobre a sua relação com o partido por que foi eleita
"Todos os partidos têm conflitos. O que os distingue é como os sabem resolver”
Rui Tavares, fundador do Livre, sobre o mesmo assunto
"Conseguimos marcar um golo mais cedo do que o esperado, mas nada disso deve mudar o nosso espírito, a nossa forma de fazer as escolhas. (...) Por isso vos digo, [o jogo ainda] está 0-0"
Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente do Iniciativa Liberal, na hora de passar o testemunho a João Cotrim Figueiredo
O QUE ANDO A LER (E O QUE ADMITO VER)
Ando a ler ao ritmo inversamente proporcional ao destes dias que correm, acelerados como se não houvesse amanhã, rumo às festas de Natal e Ano Novo. Javier Marías e o seu "Assim começa o mal", de que aqui falei no meu último Curto, continua sobre a minha mesa de cabeceira, interrompido pela chegada do perturbador "Rússia-Europa-América. O caminho para o fim da liberdade", ensaio do historiador - e professor em Yale - Timothy Snyder. O livro é de 2018 mas só conheceu edição portuguesa em novembro último, pelo que ainda cheira a fresco esta análise da crise política que vem afetando o ocidente, trabalho que o autor dedica aos "jornalistas, os heróis do nosso tempo". A obra é uma tentativa de "compreender um conjunto de acontecimentos interligados na nossa história contemporânea, da Rússia aos EUA, num tempo em que a própria factualidade foi posta em causa". Ainda não cheguei a 100 das quase 300 páginas, quanto baste para readquirir a certeza que há coisas que fazem (muito mais) sentido quando lidas de um ponto de vista global. No caso, o papel de Vladimir Putin na eleição de Donald Trump, que agora enfrenta um processo de impeachment por alegadamente ter tentado subornar a Ucrânia (há anos em conflito com a Rússia) para que esta investigasse os negócios do filho de Joe Biden (um dos seus principais adversários democratas na corrida às presidenciais norte-americanas do próximo ano). Pode ser que as 200 páginas restantes tragam consigo alguma esperança; para já, o que fica é a desagradável constatação que o mundo está a ficar perigosamente inclinado para os lados de Moscovo.
Da realidade para a ficção (embora às vezes possa haver dúvidas sobre qual é qual). Boa notícia para os fãs de "A Casa de Papel" (onde não me incluo pela singela razão de que nunca vi nenhum episódio - tenho tido outras prioridades): soube-se ontem que a muito elogiada série espanhola regressa aos écrans de TV na próxima primavera. A quarta temporada tem estreia marcada, na Netflix, como sempre, a 3 de abril de 2020. A ver se me ponho a par até lá.
E por hoje é tudo. Tenha um dia bom e bem informado. Não será difícil: as notícias deixam-se apanhar todas nos sites do Expresso, da Blitz, da Tribuna e da SIC Notícias.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CFigueiredo@sic.impresa.pt