Contrafactual

Os jovens não têm direito ao pessimismo

I. O facto do contra:

A humanidade nunca esteve tão bem (mas é tabu afirmá-lo)

Meu caro leitor,

fiz esta newsletter para os seus filhos, que fazem parte de uma estranha geração: são os filhos diletos do período mais próspero e pacífico da história, mas são absurdamente pessimistas, até apocalípticos.

Como salientam autores como Hans Rosling ou Steven Pinker, todos os indicadores económicos (rendimento, saúde, educação) e políticos (número de guerras e genocídios) mostram que a prosperidade subiu de forma incrível entre 1945 e o nosso tempo, e que violência baixou também de forma significativa nas últimas 8 décadas. Há mais - muitos mais - seres humanos longe da pobreza extrema e da guerra. Ou seja, contra a vontade ideológica dos dois extremos políticos que poluem o ar do tempo com o seu miasma pessimista, a era da globalização diminuiu a pobreza e a guerra. Recusar ver este facto gigantesco não é apenas um erro de percepção, é também a manifestação de uma certa soberba que chocaria os nossos bisavós e trisavós, pessoas que, há cem anos apenas, tinham metade da nossa esperança média de vida.

Como salienta Steve Johnson, nós hoje em dia temos uma vida extra, uma vida a mais, graças à indústria agroalimentar e graças à medicina e aos avanços da química e da bioquímica. No ocidente, hoje vivemos até aos 80 anos; há poucas gerações vivíamos até aos 40. Como é que nos atrevemos a ser pessimistas? Como é que nos atrevemos a pensar que somos vítimas de tempos difíceis? Neste momento, a esperança média de vida da humanidade inteira é de 77 anos; mesmo em África é de 62 anos quando era de 25 anos em 1925 e 41 anos em 1960.

Mais: no passado ainda recente, se uma pessoa tivesse 5 filhos, tinha de estar preparado para perder dois ou três, algo impensável hoje em dia mesmo em países mais pobres.

A mortalidade infantil baixou a pique na nossa era.

Na Coreia do Sul, por exemplo, em 1950 cerca de 35% das crianças não passava dos 5 anos de vida. Agora essa taxa é virtualmente 0%. Seul conseguiu em meio século aquilo que países europeus como a Suécia conseguiram em dois séculos. Mesmo quando escolhemos os piores países neste campo, Nigéria, por exemplo, vemos a evolução: nos anos 60, em 100 crianças nigerianas morriam 32; agora morrem 11.

A situação fica ainda mais clara quando se compara dois blocos, Índia e Brasil de um lado, Suécia e França do outro. Em 1950, 27% das crianças indianas e 20% das crianças brasileiras não chegavam aos 5 anos de vida. Na França e na Suécia, o número era de 4,5% e 2,3%. Na época luminosa e otimista que ainda estamos a viver, o número na Índia baixou para 3.2% e no Brasil para 1.5%. E, caro leitor, se quiser mesmo dar um nó na cabeça do seu filho, diga-lhe que os números para Portugal são estes: a mortalidade infantil no Portugal de 1941 era igual à da Índia e do Brasil, cerca de 25%. E, a partir daí, baixámos a pique até uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo.Ser apocalíptico em relação ao mundo e ao país só é possível no desconhecimento deste e de outros factos.

Olhemos para a educação.

A percentagem de pessoas na humanidade inteira com educação escolar formal estava na casa dos 40% em 1950; hoje está perto dos 90%. Mesmo em África, a percentagem de população com educação formal escolar é de 78%, quando em 1860 era de 23%.

Podemos ver a evolução de outra forma: em 1971 os rapazes à escala global tinham 4.8 anos de escolaridade e as raparigas 3.8. Hoje estamos a falar de 8.9 anos para rapazes e 8.4 para raparigas.Repito: este número é para a humanidade inteira.

No campo da violência, da guerra e do genocídio também estamos melhor. Quando olhamos para os dados relativos à violência genocida, por exemplo, não há comparação entre este século e a segunda metade do século XX.Não, não estou a falar da primeira metade do século XX que conta obviamente com o holocausto e outros horrores. Estou a falar da segunda metade do século XX, que foi muitíssimo mais violenta do que este século. Basta recordar as guerras e genocídios na Jugoslávia ao longo dos anos 90, além obviamente do genocídio no Ruanda, do colapso na Somália, da aniquilação da Chetchenia. Ou seja, mesmo os "pacíficos" anos 90 foram mais violentos do que este século.

Isto quer dizer que está tudo bem? Não. Mas também quer dizer que as coisas estão muito melhor e que é preciso sair das nossas sensações e emoções e do nosso provincianismo do presente. O nosso tempo, com todos os seus problemas, é um dos melhores de sempre, talvez o melhor, mas é extremamente difícil dizer isto em público. As pessoas levam a mal, sobretudo os mais novos. Querem ser vítimas, querem pessimismo.

De onde é que isto vem? Tenho uma hipótese: a riqueza cria um erro de perceção; as pessoas, no fundo, ficam mal-habituadas, assumem que o bem-estar e a ausência histórica de doenças é o estado da natureza normal e não o resultado de uma imensa construção humana. Não é por acaso que os países mais pobres tendem a ser mais realistas e otimistas em relação à evolução dos últimos tempos. Quando se pergunta “está satisfeito com a sua saúde?”, vemos que as respostas mais otimistas e mais consentâneas com a evolução das últimas décadas vêm de países como a Nigéria (85%), México (74%) ou Colômbia (72%) e não de países como Suécia (49%) ou Reino Unido (58%) ou da nouveau riche Coreia do Sul (48%).

II. Contado não se acredita

Pó mágico

O pessimismo da juventude alastra-se, claro, ao espírito apocalíptico do ambientalismo, um tema que merecerá várias Contrafatuais, porque eles, os tais jovens, querem viver no “Walking Dead” e não na sensatez climática e ecológica. Tratam como “negacionista” a ecologia assente na realidade e na esperança e não no medo.

Hoje aqui no “Contado não se acredita” quero salientar algo que escapa a essa grande narrativa dos jovens e dos media: a esperança, sobretudo a esperança na capacidade da nossa ciência para resolver o assunto.

Como salienta o analista Olivier Stuenkel, o custo médio da eletricidade produzida por renováveis é cada vez mais competitivo. A eólica baixou o custo de produção em 70% desde 2010 e a solar 90%.

Já usamos robôs na polinização e combustíveis artificiais com neutralidade carbónica estão a ser desenvolvidos pela aviação e pela F1.

E a estrela do dia: na Dinamarca, cientistas descobriram um dado maravilhoso que nos indica – de novo – a circularidade da vida na terra. Quando um glaciar recua na Gronelândia, fica à vista um pó estranho, mais fino do que a areia da praia, parece farinha. É o resultado da fricção do gelo na pedra. Ora, cientistas dinamarqueses fizeram experiências com este pó. Transportaram 200 toneladas da Gronelândia para a Dinamarca, espalharam-no por terrenos agrícolas e descobriram duas coisas: a terra fica mais fértil, e captura imenso C02. O estudo calcula que este processo pode capturar e enterrar no solo tanto C02 como aquele que a Dinamarca produz num ano. Parece um conto de fadas, mas é verdade.

É este o nosso caminho: através da ciência, iremos descobrir mil maneiras de resolver o assunto e é estranhíssimo não ver este otimismo - caso a caso, peça a peça, descoberta a descoberta - na grande narrativa dos jovens.

Os glaciares, que têm sido usados como um filme de horror pelo ambientalismo radical, podem conter uma enorme luz de esperança. Mas esta e outras notícias não encaixam na narrativa prevalecente. Até parece que os factos positivos são um estorvo. E o pessimismo transforma-se em cinismo ou arrogância moralista em relação aos outros seres humanos. Os tais jovens “woke” acham mesmo que são os únicos que estão acordados para o problema, e isto acaba por contagiar toda a gente.

Na resposta, mostro este gráfico, que indica que os seres humanos são melhores do que pensamos. O estudo faz duas perguntas. Primeira: “Estás disponível para dar 1% do teu dinheiro para a resolução do problema ambiental”. 69% das pessoas em 125 países disseram "sim". Segunda: “qual é que achas que é a percentagem de pessoas do teu país que vai responder sim à pergunta anterior?”. A resposta caiu para 43%.

Um pouco mais de otimismo não é um acto de fé, é um acto de realismo.

III. Facto escondido

O cancro vai ser como a tuberculose

Os especialistas têm esta enorme esperança: um dia seremos capazes de controlar o cancro como controlamos agora doenças como a tuberculose. É das tais coisas: os jovens não imaginam o pavor que era a tuberculose, tal como não imaginam o terror que era o parto para as mulheres. Morrer no parto era muito comum.

É por isso que esta semana destaco no Expresso esta peça de Joana Ascensão sobre a deteção antecipada do cancro do pulmão através da Inteligência Artificial– um assunto, que, mais uma vez, tem sido tratado em tons apocalípticos; é como se as pessoas quisessem de facto viver no mundo do “Terminator” e por isso vão desprezando os casos como este: graças à AI, iremos morrer menos de cancro do pulmão e, com o tempo, seremos capazes de aplicar uma espécie de “Relatório Minoritário” a qualquer tipo de cancro, isto é, o cancro será detectado no sangue antes da formação dos tumores. Não, não é conto de fadas; a tecnologia está a ser desenvolvida, mas deixo a referência para outra semana.

IV. Lente da arte

Os primórdios da medicina

Há dezenas de séries sobre médicos aqui e agora. Mas há poucas séries sobre o passado ainda recente da tal medicina que começou a melhorar a qualidade e a extensão das nossas vidas a partir do início do século XX. Eu só conheço uma, aliás: “The Knick”, realizada por Steven Soderbergh e protagonizada por Clive Owen. Conta a história de um hospital de Nova Iorque no início do século XX; conta os avanços e recuos das técnicas; por exemplo, aborda-se muito a anestesia, fundamental para operações mais calmas e precisas. Mas, claro, também conta o lado negro da medicina, o abuso de droga (o outro lado da anestesia), o racismo, o machismo e a eugenia aplicada até aos pobres. Bastava ser pobre para se correr o risco da esterilização.

O solar e o lunar lado a lado.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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