As cidades de que precisamos para chegarmos mais novos a velhos

Passa pouco das 10 da manhã, mas o dia já vai longo nesta espécie de microcidade para os mais velhos. “Pauleta”, como é conhecido em Águeda, cruza-se connosco a passo apressado. Traz uma fita métrica, papéis e algumas ferramentas nas mãos. Ex-jogador de futebol, ex-serralheiro, com 83 anos, vai “arranjar umas coisas” na sede desta IPSS, cujo projeto Casinhas do Pinhal é considerado único no país. São 10 casas pré-fabricadas. Aqui não existem os obstáculos típicos das grandes cidades que tornam o espaço público pouco acessível aos mais velhos. No lugar das escadas, todas as habitações são servidas por rampas, para facilitar o acesso, o desporto é encorajado, há um circuito de manutenção e existe uma equipa de médicos e enfermeiros que prestam os cuidados de saúde numa base diária. A última casa pertence a António Oliveira Pinto, o “Pauleta”, talvez o mais ativo de toda a vizinhança. “No verão faço 40 quilómetros por dia de bicicleta. Saio de manhã, vou a Águeda tomar um café, sento-me na esplanada, leio o jornal, como um pastel de nata”, conta, detalhando todo o itinerário. “É um esticão, mas temos de ser assim, ter vontade, porque se não o fizermos acabamos por morrer. Chega-se a um certo ponto em que as pessoas já não conseguem. Só paro quando as pernas me faltarem”, diz-nos enquanto mostra a sua casa pré-fabricada: uma cozinha, sala, quarto e WC.
Ao contrário do que acontece na grande cidade, aqui o isolamento e a solidão não fazem parte da rotina, o que se explica com a facilidade de movimentos e a solidariedade entre os vizinhos. Nascido em 2010, o projeto partiu da ideia de um casal sem filhos que recusava a hipótese de entrar num lar. “Foi a primeira casa construída e, na altura, achámos que podia ser uma solução alternativa à vida na cidade e aos lares. A partir daí, começámos a receber contactos de várias pessoas que também queriam viver desta forma”, explica a diretora técnica do projeto, Alexandra Alves.
Mas será que este modelo poderia ser replicado na escala de uma comunidade urbana? Atualmente, vários municípios estão a projetar as suas cidades no sentido de as tornar mais amigas dos idosos. Perante a transição demográfica, isto implica eliminar todas as barreiras que praticamente obrigam os mais velhos a não sair de suas casas: eliminar passeios perigosos, desníveis, diferentes obstáculos, criar mais espaços verdes e de convívio. Trata-se de uma mudança radical do paradigma urbano, onde se estima que dentro de uma década viverão a maioria das pessoas acima dos 65 anos. É esse um dos principais desafios das autarquias: adaptar a cidade às necessidades desta população. Essa é a opinião do vereador da Educação e Coesão Social da Câmara Municipal do Porto, Fernando Paulo. “O atual executivo, consciente da situação de rápido e crescente aumento da população idosa, assumiu o compromisso em reforçar de forma significativa as respostas dirigidas ao envelhecimento, criando ambientes urbanos que fomentem junto das pessoas de maior longevidade uma maior participação cívica”, afirma. E de que forma é que isto se materializa? “Como exemplo pode ser referido a oferta de transporte individual para entidades prestadoras de cuidados de saúde ou vacinação a um preço simbólico, pelo projeto Táxi +65; a recente implementação do Programa Estamos Juntos — Teleassistência do Município do Porto, que permite a permanência dos idosos na sua habitação de forma segura e monitorizada.”
Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento, assume serem necessárias mudanças de fundo. “A ministra da Habitação deverá desde já proceder a uma avaliação nacional e definir políticas impactantes que melhorem as condições de habitabilidade dos mais idosos, em articulação estreita com os municípios. Não basta construir novas habitações, necessitamos de adaptar as habitações dos mais idosos para o seu envelhecimento, de uma forma contínua e dinâmica.”
De norte a sul, passando pelas ilhas, são vários os projetos em curso. Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, destaca, por exemplo, a importância dos transportes públicos gratuitos para todos os seniores. “Vivemos num país e numa cidade mais envelhecida, com 179 idosos por cada 100 jovens. Ao mesmo tempo que somos uma cidade disruptiva, que atrai talento de todo o mundo, temos de ser uma cidade que cuida, que não deixa ninguém para trás”, disse o autarca durante o Simpósio Interações — Envelhecer nas grandes cidades, realizado na semana passada. “Temos de ter uma cidade que garante o acesso dos idosos à saúde”, reforça o autarca, abordando o programa 65+ da CML. “Fazemo-lo hoje pela primeira vez através deste seguro, um plano de saúde único em Portugal e na Europa, que facilita o acesso gratuito a um médico a 130 mil idosos em Lisboa. Com teleconsultas, assistência ao domicílio, transporte em ambulância para um hospital, e que protege os idosos mais vulneráveis, consultas. Temos mais de nove mil inscritos neste plano.”
Mais a sul, o município de Loulé tem sido dos que mais trabalha em prol dos idosos. A autarquia está a investir €50 milhões, além de promover boas práticas no envelhecimento ativo. Aliás, em outubro de 2022 o Algarve foi distinguido pela Comissão Europeia como centro de referência para o envelhecimento ativo e saudável. “É a região do país líder para envelhecer e gozar a sua reforma. Tendo foco na longevidade, Loulé tem associado uma atuação nos vários domínios identificados com a sustentabilidade e a preocupação ambiental.”
Outro exemplo de boas práticas é o Funchal, onde existe a única Direção Regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade. “Todos são importantes, sabemos que uma sociedade mais justa e humanizada deve ter um olhar atento às reais necessidades das pessoas”, disse a vereadora Helena Leal, dando como exemplo os “vários polos comunitários inseridos nos complexos habitacionais do município, uma universidade sénior e três ginásios, com 2700 inscritos”.
Segundo o conceito de cidades age friendly definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tratam-se de meios urbanos inclusivos e acessíveis a toda a comunidade: transportes, habitação, espaços públicos ao ar livre, bons serviços de saúde, informação e comunicação, participação cívica e emprego, respeito e inclusão, e vida social, são matérias essenciais.
Estima-se que 1400 cidades de todo o mundo estão a trabalhar para tornar as cidades acessíveis a todas as idades, sobretudo aos idosos, que são das faixas etárias mais predominantes em contexto urbano. A recessão económica, as políticas de austeridade e a intensificação da competição global geram desigualdades ao crescimento saudável das cidades.
Teoricamente, as cidades age-friendly consideram o ambiente social e económico e o acesso à saúde, determinantes na construção de uma sociedade mais coesa e solidária. São quatro as áreas de ação: ambientes favoráveis aos mais velhos, o combate ao envelhecimento, cuidados integrados de saúde, e os cuidados a longo prazo.
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Longevidade
É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante o ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.
Textos originalmente publicados no Expresso de 24 de fevereiro de 2023
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