Legislativas 2019

Quando Rio sai da casca, Costa cresce. Mas quem ganhou o debate foi Centeno

Quando Rio sai da casca, Costa cresce. Mas quem ganhou o debate foi Centeno
MÁRIO CRUZ

O jogo, confirma-se, exige prolongamento. Rui Rio continua a sair da casca. E António Costa ganha com isso. Mas o novo fetiche da política portuguesa chama-se Mário Centeno. O ministro das Finanças foi o vencedor do debate

Quando Rio sai da casca, Costa cresce. Mas quem ganhou o debate foi Centeno

Ângela Silva

Jornalista

Uma das jogadas de risco de Rui Rio no último frente a frente com António Costa - na manhã desta segunda-feira, no debate das três rádios, RR, Antena1 e TSF - foi ter puxado o Ronaldo das Finanças para a conversa. "O senhor tem o seu Mário Centeno mas eu também tenho o meu", afirmou a dada altura o líder do PSD, apostado em desmontar os êxitos da política económico-financeira do Governo e, sobretudo, em explorar as incertezas quanto à permanência do ministro das Finanças no próximo Executivo. António Costa cheirou o risco, nunca pôde garantir por quanto tempo conta ter Mário Centeno ao seu lado, e acabou a puxar pelos galões do homem que não gostaria de perder: "Seis meses do meu Centeno seriam melhores do que quatro anos do seu".

Rui Rio não chegou a pronunciar o nome do seu ministro das Finanças-sombra, que Costa, 'killer', o acusou de nem sequer ter posto nas listas de candidatos a deputados. Mas o seu objetivo foi alcançado: "O seu Centeno está farto do Ministério das Finanças e diz que se o PS ganhar as eleições fica até ser presidente do Eurogrupo, mas depois vai-se embora". À saída do debate, num longuíssimo direto para as televisões, Costa ainda teve que perder tempo com o lance do adversário: "O ministro das Finanças está em funções". Eis o rasto marcante deixado pelo último frente a frente entre os líderes dos dois maiores partidos - o meu Centeno é melhor do que o teu. E quanto pesará perdê-lo a meio do caminho?

Desta vez, houve combate. Rui Rio continua a mostrar-se mais eficaz nos debates do que fora deles e isso fez bem a António Costa, que foi mais feroz a desmontar-lhe as "inconsistências". "Revoga a medida dos passes sociais?". Rio andou às voltas. "Então e os passes sociais, não responde?". Rio acaba a assumir que embora o PSD tenha votado contra uma das medidas mais populares da legislatura, nunca a revogará. Apenas tenciona "melhorá-la". E o desequilíbrio crescente das contas externas? O líder do PSD apontou o dedo à "degradação permanente do saldo externo" das nossas contas públicas e Costa pede-lhe números. Rio vacila e o líder socialista mostra-se melhor preparado, desculpa-se com a necessidade das empresas para se modernizarem terem que importar maquinaria e desafia: "Logo à noite (para o debate a seis) levo-lhe o quadrinho especificado".

Mas Rui deu luta. Começou por arriscar entrar pelo familygate com recurso ao léxico que nos últimos anos traumatizou o país, quando acusou o PS de ter "tiques" de quem se acha "dono disto tudo". Lembram-se? "O PS historicamente tem tendência para olhar para o Estado como dono disto tudo. Chega, instala-se e considera-se dono disto tudo", acusou o líder da oposição, reconhecendo que "nenhum partido é virgem nisto mas o PSD nunca fez como o PS". António Costa apanhou-o na curva: "Como presidente da câmara do Porto, nomeou a mulher de um amigo para a administração do Rivoli". Rio não desmentiu e levou outro soco: "As suas proclamações de ética são à medida do freguês e eu não recebo lições de ética de ninguém". Acaba forçado a reconhecer que falhou em mudar o mundo da falta de ética na política - "alguém acredita que em 12, 14 meses, se consegue fazer uma revolução num partido com os tiques que os partidos têm? E eu nem sou um revolucionário!". Meia toalha ao chão. Mas o chavão eleitoral foi lançado - "o PS dono disto tudo" vai tentar fazer caminho, quanto mais não seja contra a maioria absoluta.

Nós não somos a Espanha

Rio levou outro chavão no bolso, desta vez para espicaçar a relação Costa/Bloco de Esquerda. Objetivo óbvio: mostrar ao eleitorado de direita (supostamente o seu) que o primeiro-ministro anda a exibir uma alergia crescente aos bloquistas mas que isso é filme: "Anda aí uma nova série chamada O Bloco de Esquerda é perigoso". "Eu até concordo, mas há aqui uma evidente contradição entre o que o PS dizia do BE e o que diz agora". António Costa não lhe dá grande troco mas confirma a estratégia de enxotar o BE para cativar votos no centro-direita. Chega, aliás, ao ponto de reformatar a velha máxima de Passos Coelho "Nós não somos a Grécia" para uma versão mais atual, a soar mais ou menos assim: "Nós não somos a Espanha". A Espanha onde o Podemos - uma espécie de BE espanhol - complica a vida ao Governo socialista.

O objetivo político de Costa é o mesmo que Passos tinha na altura: apresentar-se como referencial de estabilidade. Eis a frase do primeiro-ministro: "A estabilidade paga-se caro. O que nos tem diferenciado de Espanha é a estabilidade". Costa começa - viu-se neste debate e já se tinha visto na véspera quando justificou a campanha 'light' com o facto de em simultâneo ter que "governar o país" - a puxar cada vez mais pela diferença específica de quem está neste combate como primeiro-ministro. E Rio assume nesta campanha, como nunca nos dois anos que leva de liderança da oposição, o papel que é suposto assumir.

Nem sempre lhe correu bem e António Costa encostou-o às cordas na questão dos professores quando lembrou como o PSD deixou "o Mário Nogueira muito contente num dia à noite e no outro dia de manhã já era ao contrário". "Ah, ah,ah", riu-se o líder do PSD, desistente de argumentar sobre um dos seus maiores fracassos políticos do último ano.

Apostado em vincar diferenças relativamente ao PS, o líder do PSD puxou pela política económica e a aposta do Governo no consumo em detrimento dos apoios às empresas ("não pode dar bom resultado no médio e longo prazo"). No que toca a salários, os dois defendem que é urgente melhorar os rendimentos das famílias mas o líder do PSD insiste que "não podemos dar só o peixe temos que ensinar a pescar. Temos que ensinar as pessoas a pescar e incentivar as empresas para que as exportações subam". É a nuance possível para o eleitorado do PSD.

Na TAP, Costa foi seguro a defender a recompra pelo Estado - "um país como o nosso não se pode dar ao luxo de não ter uma companhia de bandeira" - e Rui Rio, que tentou explorar a má gestão e as relações tensas entre Governo e administração, acabou por não desenvolver o assunto. A sua aposta neste debate foi, sobretudo, lançar slogans eleitorais. O mau resultado da TAP, percebeu-se, consta da lista.

Ironicamente, Rio quando falou da vitória do PSD na Madeira disse que também tinha ajudado ao resultado ao "unir" o partido. E assim assumiu um dos seus grandes falhanços no PSD nacional - não ter conseguido juntar esforços, chamar os críticos e pacificar os 'laranjinhas'. António Costa não agarrou a deixa. Um Rio a sair da casca não dará para o PS perder as eleições. Mas dá mais trabalho.

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