“Falta de compromisso em relação às vítimas de crimes em geral”, propostas “sem caráter inovador” e que se limitam a “reproduzir medidas, soluções e programas já existentes” ou “vagas” ou que “revelam desconhecimento técnico e científico nas áreas do direito. Eis algumas das conclusões da análise realizada pela APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) aos programas eleitorais dos partidos com representação parlamentar que concorrem às eleições legislativas de 6 de outubro, centrada nos direitos das vítimas de crimes.
Na parte dedicada às conclusões, a associação começa por afirmar que as vítimas de crimes “são alvo de graus de atenção muito díspares” muito parte dos partidos políticos cujos programas foram analisados — se em alguns destes programas é possível “encontrar um elenco de propostas significativas”, noutros a “vítima está quase ou mesmo totalmente ausente”. A associação salienta a ausência de uma “visão global e integrada” na abordagem dos diferentes partidos à questão dos direitos das vítimas de crimes, caracterizada como “parcelar e fracionada”, e de um “compromisso” em relação às vítimas. “Em nenhum dos programas eleitorais encontramos uma ideia de política e de compromisso relativamente às vítimas de crimes em geral, de qualquer crime”, lê-se na análise, segundo a qual os diferentes programas “centram-se quase em exclusivo na problemática da violência doméstica”, havendo “uma ou outra referência a vítimas de outros tipos de crimes, designadamente crimes sexuais e tráfico de seres humanos”.
“Nenhuma preocupação” quanto às assimetrias regionais na resposta às vítimas
Outra conclusão diz respeito às vítimas com necessidades especiais de proteção, que não recebem, entre si, a mesma atenção por parte dos partidos. A disparidade verifica-se na atenção dada a crianças e idosos vítimas de crimes, por um lado, e outras vítimas consideradas vulneráveis, como é o caso das pessoas com deficiência. Mesmo a atenção dada aos primeiros levanta dúvidas, uma vez que “nem sempre é acompanhada das necessárias medidas políticas”, como a “criação de espaços para entregas de crianças e visitas supervisionadas no âmbito da regulação das responsabilidades parentais”, que nenhum dos programas eleitorais analisados inclui. Corrigir as assimetrias entre o litoral e os centros urbanos e o interior e as zonas rurais no que diz respeito às respostas dadas às vítimas de crimes também não parece ser uma preocupação para nenhum partido, visto que “em nenhum programa eleitoral se vislumbra a preocupação de corrigir ou pelo menos mitigar” estas assimetrias.
Referindo-se já não aos programas mas às propostas contidas em cada um deles, a APAV destaca que muitas das propostas “limitam-se a reproduzir medidas, soluções e programas já existentes”, não sendo, por isso “inovadoras”, e que algumas delas são “vagas” e revelam “desconhecimento técnico e científico nas áreas do direito, da criminologia e da vitimologia”. Quanto a este último aspecto, diz a associação que “continuar a pugnar pelo aumento de penas quando hoje se sabe que não é o caminho mais eficaz para a prevenção e combate à criminalidade, falar em crimes de pedofilia confundindo conceitos da área do direito e da psiquiatria, ou adulterar princípios básicos da denominada justiça restaurativa”, resulta, na prática, na “apresentação de propostas desadequadas e que não vão ao encontro das reais necessidades das vítimas de crimes”.
Ausente de todos os programas eleitorais está também a referência à necessidade de promover investigação científica nesta área, afirma a APAV, sublinhando que já não é realizado “há largos anos” em Portugal “um inquérito sobre vitimação, que dê uma ideia aproximada da criminalidade realmente praticada”. “Insuficiente” são também os dados estatísticos sobre o assunto, algo que, segundo a associação, passa ao lado dos partidos.
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