Ela montou uma história em que todos queriam acreditar: a da bilionária que subiu a pulso e triunfou num mundo dominado pelos homens, num país africano despedaçado pela guerra civil e pobreza.
Em aparições públicas, na primavera de 2017, Isabel dos Santos, na altura presidente da empresa estatal de petróleo Sonangol Group, desfilava entre estrelas de Hollywood na Riviera Francesa e deslumbrava os magnatas do petróleo de Houston com histórias de trabalho árduo e sucesso. Vestida com um blazer preto, a sua imagem de marca, a presidente de 44 anos disse a uma audiência esgotada na London Business School que os líderes deviam ser escolhidos com base no mérito.
“Giro empresas há muito tempo, começo com empresas pequenas, vou construindo-as, passando por todos os processos para as tornar empresas de sucesso,” disse.
O que não disse em Londres foi: quem lhe deu o lugar de topo na Sonangol foi o seu próprio pai, José Eduardo dos Santos, o autocrata angolano. Que durante anos foi ele que lhe arranjou contratos públicos, incentivos fiscais, licenças de telecomunicações e direitos de exploração mineira de diamantes. E que, mesmo enquanto falava para uma audiência de empreendedores, estava a abrir caminho para uma das movimentações mais arrojadas – o pagamento de dezenas de milhões de dólares do monopólio estatal do petróleo para uma empresa-fantasma controlada pelo seu sócio no Dubai.
Os Luanda Leaks, uma nova investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação e 36 parceiros da comunicação social, expõem duas décadas de acordos pouco escrupulosos que tornaram Isabel dos Santos a mulher mais rica de África e que fizeram de Angola, um país rico em diamantes e petróleo, um dos países mais pobres do mundo.
Com base em mais de 715 mil registos comerciais e financeiros confidenciais, e centenas entrevistas, os Luanda Leaks apresentam um caso de estudo para um crescente problema global: governantes ladrões, muitas vezes chamados “cleptocratas”, e as suas famílias e associados movimentam fundos públicos conseguidos de forma ilegal para jurisdições secretas offshore, muitas vezes com a ajuda de conhecidas firmas ocidentais. Daí o dinheiro é usado para comprar propriedades, empresas e outros bens valiosos, ou é simplesmente escondido a salvo das autoridades fiscais e investigadores criminais.
“A movimentação de dinheiro sujo através de empresas-fantasma para o sistema financeiro internacional para ser branqueado, reciclado e utilizado na influência política está a aumentar”, diz Larry Diamond, investigador principal na Hoover Institution da Universidade de Stanford. “Faz aumentar o perigo de violência política e abuso dos direitos humanos.”
A corrupção pública arrasa economias, mina a fé na democracia e desvia o dinheiro que podia ser usado em hospitais, escolas e estradas. A Transparency International classifica Angola como um dos países mais corruptos do mundo. A esperança média de vida é de apenas 60 anos. Cerca de 5% das crianças morrem antes de completar um ano.
Os documentos dos Luanda Leaks foram dados ao ICIJ pela Plataforma de Proteção de Informadores em África ou PPLAFF, um grupo de defesa sediado em Paris. O conjunto inclui emails, memorandos internos de empresas de Isabel dos Santos, contratos, relatórios de consultoria, declarações fiscais, auditorias privadas e vídeos de reuniões de negócios. Os documentos, em português e inglês, datam desde os anos 1980 mas incidem sobretudo sobre a última década. Incluem descrições de casas palacianas em Lisboa e no Mónaco e férias luxuosas que incluíam aviões privados e uma lancha. Os emails mostram a preocupação de subordinados em relação a empréstimos bancários arriscados e consultores financeiros a tratar dos pedidos de Isabel dos Santos para pagar uma conta junto do estilista de luxo Valentino e para abrir uma nova conta bancária offshore.
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