Internacional

Ucrânia. Qual a importância de Donbass? Por onde passa a fronteira das “repúblicas” reconhecidas pela Rússia? Que resta dos Acordos de Minsk?

Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, em Donbas, a região no leste do país que é a linha da frente entre as tropas russas e ucranianas. FOTO: Ukrainian Presidency/Anadolu Agency/Getty Images
Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, em Donbas, a região no leste do país que é a linha da frente entre as tropas russas e ucranianas. FOTO: Ukrainian Presidency/Anadolu Agency/Getty Images

O reconhecimento por Moscovo da independência de duas regiões separatistas do leste da Ucrânia ameaça arrastar os dois países para uma guerra aberta. Para se perceber o potencial desse cenário, há que tentar esclarecer um conjunto de interrogações — e inquietações

Qual a importância da região disputada por Rússia e Ucrânia?

Situada no leste da Ucrânia, Donbass é uma região industrial que faz fronteira com a Rússia, especialmente importante ao nível da extração de carvão. O seu nome resulta da contração de “bacia” e “Donets”, nome de um rio que não olha a sensibilidades nacionalistas e corre em território russo e ucraniano. Entre os cerca de três milhões de habitantes de Donbass, estimas-se que o russo seja língua de casa para a maioria da população. A região divide-se em duas — Donetsk e Luhansk —, que estão no centro desta crise. Ambas proclamaram a independência em 2014, sem que nenhum país a reconhecesse. Até esta segunda-feira, quando o Presidente russo, Vladimir Putin, as aceitou como Estados independentes.

INFOGRAFIA: Jaime Figueiredo

Como ficaram Donetsk e Luhansk nas mãos de separatistas?

O sentimento separatista nestas regiões acentuou-se na sequência das grandes manifestações populares na Ucrânia que ficaram conhecidas como “Euromaidan”. Estas começaram em novembro de 2013, quando o Presidente Viktor Yanukovych decidiu descartar um acordo de parceria planeado com a União Europeia, em prol de maior ligação à Rússia. Os protestos dos que pugnavam por uma aproximação ao Ocidente levaram à renúncia do Presidente pró-russo, em fevereiro de 2014. Em abril, espaçadas por 20 dias, as duas regiões de Donbass autoproclamaram a sua independência. A “República Popular de Donetsk“, com capital em Donetsk (quinta maior cidade da Ucrânia), passou a ser liderada por Denis Pushilin; a “República Popular de Luhansk“, com centro político na cidade de Luhansk, por Leonid Pasechnik.

Que se seguiu à secessão das duas regiões? 

Uma guerra entre forças separatistas e o exército ucraniano, que já provocou mais de 14 mil mortos. De permeio, a Ucrânia perdeu a península da Crimeia, que foi formalmente anexada pela Rússia na sequência de um referendo que a comunidade internacional contestou. Esse cenário, por enquanto, não se coloca relativamente a Donetsk e Luhansk. O reconhecimento das duas “repúblicas”, anunciado por Putin esta segunda-feira, havia sido solicitado pelos dois líderes separatistas, que ansiavam por proteção militar russa perante aquilo que descreviam como planos ucranianos visando uma ofensiva para voltar a estender a sua soberania às duas regiões. Soberania essa que vale ao abrigo do direito internacional. 

Os separatistas controlam totalmente as regiões?

Não. As forças separatistas (agora independentes, segundo a Rússia) controlam cerca de um terço de Donetsk e Luhansk. A separá-las do restante território controlado pelas forças ucranianas existe uma frente fortemente militarizada, onde acontecem constantes violações do cessar-fogo e onde, crescentemente, cada novo incidente pode soar ao início de uma grande guerra. Ainda não é claro — porque Putin não o disse — por onde passa o traçado da fronteira entre os autoproclamados novos Estados e o território ucraniano. Neste mapa da região de Donbass (abaixo), estão sinalizadas a vermelho as cidades controladas pelos separatistas (com apoio de Moscovo) e a azul aquelas controladas por Kiev.

Por onde passa a fronteira dos Estados que Putin reconheceu?

Ainda não é claro, mas é urgente esclarecer. As próximas horas serão cruciais para perceber se o reconhecimento russo à independência de Donetsk e Lugansk se estende a todo o território de Donbass ou apenas às áreas controladas pelos separatistas. Será importante, por exemplo, ver onde irão estacionar os soldados de “manutenção da paz” enviados pela calada da noite por Moscovo para as duas “repúblicas”: ficarão nas zonas controladas pelos separatistas ou forçarão a entrada nas áreas controladas por Kiev? A confirmar-se a segunda hipótese, equivalerá, na prática, a uma nova invasão da Ucrânia. A resposta a esta dúvida é a diferença entre um eventual congelamento do conflito (em que a Ucrânia deixaria de reclamar soberania sobre aquelas zonas em troca da estabilidade da sua fronteira com a Rússia) ou a escalada para uma guerra aberta entre os dois países. 

De que forma a Rússia controla as duas regiões?

Ao reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, a Rússia garantiu proteção militar à sua integridade territorial. Paralelamente, foram assinados acordos em vários domínios, ao estilo de uma relação bilateral entre dois estados soberanos. Ao fazê-lo, Moscovo dá cunho institucional a um apoio que já se verificava na prática, em aspetos tão quotidianos como o combate à covid-19, por exemplo. Apesar de o Governo ucraniano ter proibido o uso no país da vacina Sputnik V, de produção russa, ela era usada nas duas regiões separatistas. Noutra dimensão do apoio russo, segundo o ex-Presidente e atual primeiro-ministro russo Dmitry Medvedev, nos últimos dois anos a Rússia emitiu 800 mil passaportes a residentes da região de Donbass, facilitando o processo de atribuição da cidadania russa a habitantes que eram,, até há pouco tempo, apenas e só cidadãos ucranianos. Ao nível da economia local, a moeda que circula é o rublo russo e não a grívnia ucraniana, e as escolas seguem os programas educativos russos.

Os Acordos de Minsk continuam válidos?

A morte dos Acordos de Minsk é, porventura, a única certeza que resulta do anúncio de Vladimir Putin. Celebrados em 2015, e mediados por França e Alemanha, representavam um compromisso com o objetivo final de estabelecer um estatuto político nos dois territórios — que para a Ucrânia são “territórios temporariamente ocupados” e para a Rússia repúblicas russófilas com vontade de se virarem para leste. Os Acordos de Minsk previam que a Ucrânia concedesse às duas regiões separatistas uma ampla autonomia em troca da recuperação do controlo da sua fronteira leste, com a Rússia. Desde segunda-feira à noite que este cenário, nunca plenamente consumado, deixou de ser opção.

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