Internacional

Processo da Normandia? Acordo de Minsk? Nord Stream? Um glossário para compreender melhor esta crise

Processo da Normandia? Acordo de Minsk? Nord Stream? Um glossário para compreender melhor esta crise

Os acordos firmados depois de longas horas de conversações jogadas no xadrez das alianças internacionais são a grande vitória da diplomacia. Porém, de quanto valem realmente nas fases ulteriores dos conflitos que não chegam a resolução? O passado da atual crise Ucrânia-Rússia vem de longe e tem muitas assinaturas gravadas em documentos que estão a ser agora ignoradas

O que é o Formato, Processo ou Grupo de Contacto da Normandia e porque está agora reunido? 

O processo da Normandia é um agrupamento diplomático criado em junho de 2014, com o objetivo de encontrar resolução pacífica para o conflito que se seguiu à agressão militar da Rússia. Apesar do empenho diplomático de Paris e Berlim, este ténue processo político deu poucos frutos desde que foi criado e esteve parado nos dois últimos anos, continuando Moscovo e Kiev com posições inconciliáveis. Dado este contexto, o mero facto de os quatro países conseguirem reunir-se em Paris e acordar uma declaração conjunta criou esperanças de redução da tensão atual. O nome do grupo vem do primeiro encontro informal dos representantes dos quatro países, que ocorreu no 70.º aniversário do Dia D, isto é, o desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia, decisivo para o desfecho da II Guerra Mundial. Foi, portanto, a 6 de junho de 2014, na Normandia. 

Que é o Acordo ou Protocolo de Minsk e Minsk II? 

O Presidente francês, Emmanuel Macron, apontou o Protocolo de Minsk, assinado entre a Rússia e a Ucrânia em 2015, como matriz para o sucesso diplomático. Na sequências das conversações entre as partes (a 8 de fevereiro desse ano), achou que haveria esperança de firmar um Minsk II para resolver a guerra no leste da Ucrânia. Logo naquele dia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que “na situação presente, Moscovo e Paris não chegam a acordo”. O primeiro Acordo de Minsk fora esboçado em 2014 pelo Grupo de Contacto Trilateral para a Ucrânia — Federação Russa e Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), com a mediação dos líderes da Alemanha e França — no chamado Formato Normandia. Após prolongadas conversações em Minsk, capital da Bielorrússia, o acordo foi assinado a 5 de setembro de 2014 por representantes do Grupo de Contacto Trilateral e, sem reconhecimento do seu estatuto, pelos então líderes da República Popular de Donetsk e da República Popular de Luhansk, territórios separatistas do leste da Ucrânia. Previa larga autonomia para estes, mas sem secessão. Não tendo conseguido alcançar um cessar-fogo, uma versão revista e atualizada, Minsk II, foi assinada em 12 de fevereiro de 2015.

Que é o Memorando de Budapeste? 

O Memorando de Budapeste das Garantias de Segurança refere-se a três acordos políticos idênticos assinados na conferência da OSCE em Budapeste, Hungria, a 5 de dezembro de 1994, para dar garantias de segurança aos seus signatários relativamente ao acesso da Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão ao Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares. O memorando foi assinado pela Federação Russa, Estados Unidos e Reino Unido, enquanto a China e França deram assentimentos semelhantes em documentos diferentes. O Memorando de Budapeste incluía garantias de segurança contra ameaças ou uso de força contra a integridade territorial ou política da Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão. O resultado foi a desistência por parte destes três países das suas armas nucleares, entre 1994 e 1996. Até 1994, a Ucrânia tinha o terceiro maior armazenamento de armamento nuclear, herança da União Soviética, sobre o qual tinha controlo físico, mas não operacional, já que só a Rússia detinha os códigos de lançamento. Após a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, o Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos acusaram Moscovo de ter violado as suas obrigações para com a Ucrânia ao abrigo do Memorando de Budapeste. O Presidente russo, Vladimir Putin, depressa respondeu descrevendo a então situação da Ucrânia como uma revolução com emergência de um novo Estado, com o qual Moscovo não assinara nenhuns documentos vinculativos.   

Houve incursões ilegais da NATO? Quando e onde aconteceram? 

A tensão entre albaneses e sérvios no Kosovo teve episódios de violência esporádica já neste século, como os que estiveram na origem dos ataques contra a Sérvia em março de 2004, em várias cidades e vilas na região do Kosovo. As tropas da NATO foram deslocadas para essa províncioa, entretanto proclamada independente, onde estão até hoje. Os bombardeamentos da NATO foram desencadeados pela perseguição e matança étnica dos albaneses pelos sérvios, o que os obrigou  fugir para os países vizinhos, desestabilizando a região. A intervenção da NATO foi ilegal, porque não teve a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS da ONU), mas recorreu ao argumento do risco de genocídio. Também ilegal foi a invasão do Iraque em 2003, o primeiro estádio da guerra do Iraque, que durou de 19 de março a 1 de maio daquele ano. A coligação militar liderada pelos Estados Unidos começou por enviar 177 mil soldados para a invasão, que acabou por envolver forças de 36 países, incluindo a portuguesa GNR. Segundo o então Presidente americano, George W. Bush, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, as forças da coligação tinham por objetivo “desarmar o Iraque de armas de destruição maciça, acabar com o apoio de Saddam Hussein ao terrorismo e libertar o povo iraquiano”. Antes da invasão, a equipa de inspeção da ONU declarou repetidas vezes não ter encontrado quaisquer provas da existência de tais armas e, apesar da oposição que a sociedade civil de quase todo o mundo manifestou ruidosamente nas ruas, as tropas da coligação avançaram sem mandato do CS da ONU. A ilegalidade das incursões da NATO está a ser repetidamente sublinhada pelo Presidente russo, que argumenta que a Aliança Atlântica não respeitou a lei internacional. Além disso, tendo a intervenção da NATO na ex-Jugoslávia alegado a defesa das minorias, Putin diz que o avanço das tropas russas têm por objetivo, precisamentem defender as minorias separatistas pró-russas na Ucrânia.

QUe são as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk, reconhecidas por Putin?

As repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk autoproclamaram a sua independência em 2014, na sequência de dois referendos — cujos resultados não foram reconhecidos por nenhum país — convocados com o intuito de as legitimar, enquanto Kiev estava ocupada com as manifestações pró-Ocidente que tomavam as ruas das principais cidades ucranianas. Todo o processo decorreu à revelia da Ucrânia, que nunca deixou de reivindicar a região de Donbas, de que fazem parte Donetsk e Luhansk. A pretensão de Putin é tomar para a Rússia uma boa fatia da Ucrânia, alargando os territórios anteriormente sob domínio dos separatistas a toda a região de Donbas. 

Que é o Nord Stream 2 e a quem interessa? 

O gasoduto Nord Stream é um meio de transporte de gás natural até à União Europeia, construído para garantir a segurança do fornecimento daquele recurso energético, apoiar os objetivos de defesa climática e fortalecer no mercado interno energético. Para responder à procura, a UE precisa de novas fontes de gás fiáveis, sustentáveis e económicas. O Nord Stream 2, concluído desde agosto de 2021, tem 1230 quilómetros de comprimento e corre sob o Mar Báltico desde a Rússia até à costa báltica da Alemanha, ao lado do gasoduto anterior, o Nord Stream. Tem o dobro da capacidade daquele, sendo capaz de fornecer 110 mil milhões de metros cúbicos de gás natural ao ano. Em 2020, 35% do gás natural consumido na Europa chegou da Rússia, contra 26% em 2010. Em 2021, a taxa de importações europeias da Rússia eram de 42%, via gasodutos e carregamentos de gás natural liquefeito (LNG). Cinco empresas de energia ocidentais financiaram os €11 mil milhões que custou o gasoduto, construído também para substituir o Nord Stream, que passa pela Ucrânia e pela Polónia, e esteve no centro de disputas entre Moscovo e Kiev sobre os preços do gás. Muitos defendem que o gasoduto só interessava realmente à Alemanha e à Áustria, dois dos co-financiadores, porém, o chanceler alemão Olaf Scholz, que aprovou o negócio enquanto vice-chanceler e ministro das Finanças do último Governo de Angela Merkel, declarou que o Nord Stream 2 estaria refém da deriva invasora de Putin. Alinhando agora com Washington (que sempre se opusera ao projeto), Scholz congelou a certificação pelos técnicos alemães do gasoduto, o que, sob a exigente legislação europeia, impede a sua entrada em funcionamento. A Europa é chave para o mercado da Gazprom, empresa estatal russa cujas vendas suportam o orçamento de Estado. A Europa precisa de gás para substituir o carvão e a energia nuclear enquanto as energias renováveis não conseguem responder à procura. 

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