O anúncio do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, que na segunda-feira pediu um mandado de captura internacional para Benjamin Netanyahu, para o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant e para três altos funcionários do Hamas, incluindo o seu líder, acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, lançou ondas de choque na cena política israelita e internacional.
Vários membros do Governo de Telavive, assim como representantes de países ocidentais, expressaram a sua indignação face às deliberações em causa, rejeitando o paralelo estabelecido pelo tribunal entre Israel e o Hamas, grupo paramilitar classificado como terrorista pela União Europeia desde 2003.
Depois de ter rejeitado “com repugnância a comparação do procurador de Haia entre o democrático Israel e os assassinos em série do Hamas”, descrevendo o pedido de mandado de captura como uma “completa distorção da realidade”, Benjamin Netanyahu disse, esta terça-feira, não estar preocupado com as implicações da medida no estatuto de Israel no palco mundial.
“Acho que o procurador [é que] deveria estar preocupado com o seu estatuto porque está realmente a transformar o TPI numa instituição pária”, declarou numa entrevista ao programa televisivo Good Morning America. Para o chefe do Governo israelita, a ação daquela instância judicial levará a que “as pessoas comecem a não levá-lo a sério”, encarando-o como “uma coisa politizada”.
Benjamin Netanyahu mostrou-se “muito satisfeito” com a posição tomada pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, que classificou o requerimento do TPI como “ultrajante” e frisou que “não existe qualquer equivalência entre Israel e o Hamas”, tornando a negar que Israel esteja a perpetrar um genocídio na Palestina. “Penso que os países sérios não estão a levá-los [aos juízes do TPI] a sério”, referiu o primeiro-ministro israelita.
A decisão do TPI parece ter reaproximado os dois países, velhos aliados que ultimamente andavam de candeias às avessas devido à oposição norte-americana a uma operação militar de larga escala de Israel a Rafah, cidade no sul do enclave palestiniano que até há poucos dias acolhia 1,4 milhões de refugiados. Esta terça-feira, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse que está disposto a colaborar com o Congresso na elaboração de legislação que penalize o TIP pelo pedido de mandado de captura internacional para Netanyahu e Gallant.
“Tendo em conta os acontecimentos de ontem, penso que temos de analisar as medidas adequadas a adotar para lidar com aquilo que é uma decisão profundamente errada", comunicou Blinken numa audição sobre o orçamento do Departamento de Estado com o Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado. Segundo a CNN, o chefe da diplomacia norte-americana estava a responder ao senador republicado James Risch, que lhe perguntou se Blinken trabalharia com ele numa lei que “incluísse a questão de o TPI se intrometer nos assuntos de países que têm um sistema judicial independente, legítimo e democrático". “O diabo está nos detalhes, por isso vamos ver o que têm e podemos partir daí”, retorquiu Blinken, notando que quer cooperar com o comité “numa base bipartidária”.
Também a nível interno o anúncio do TPI parece ter tido um efeito conciliador numa altura de tensões crescentes dentro do executivo liderado por Netanyahu, fruto de uma coligação pré-eleitoral formada por centristas e ultraortodoxos, e das divisões existentes no seu gabinete de guerra – no fim de semana, um dos seus membros, o ministro israelita sem pasta Benny Gantz, ameaçou demitir-se caso o Governo não adotasse um novo plano para a guerra em Gaza.
OUTRAS NOTÍCIAS QUE MARCARAM O DIA:
⇒ Nas últimas horas, multiplicaram-se as reações de diferentes países ao pedido de mandado de captura do TPI. Alemanha, Áustria, Chéquia, Itália e Polónia estão entre as nações que condenaram o tribunal internacional por requerer a mesma sanção para Israel e o Hamas, ato “incompreensível” e “inaceitável”. O Reino Unido afirmou que a decisão de Haia "não ajuda a conseguir uma pausa nos combates, a retirar os reféns ou a fazer chegar a ajuda humanitária". Espanha defendeu a “independência e imparcialidade do TPI”. França, Bélgica e Eslovénia emitiram comunicados, na rede social X, em que apoiam abertamente a resolução do TPI para apurar responsabilidades pelos crimes cometidos em Gaza.
⇒ A transmissão da Associated Press em Gaza foi cortada, esta terça-feira, pelas autoridades israelitas, que apreenderam equipamento e acusaram a agência noticiosa norte-americana de violar a proibição que impuseram à televisão Al Jazeera, segundo a Lusa. O canal de satélite do Qatar, que está entre milhares de clientes que recebem transmissões de vídeo em direto da agência, tinha sido proibido de emitir e difundir informações em Israel. A Casa Branca pediu a Israel que revertesse a decisão e devolvesse o equipamento à AP, pedido a que Telavive terá acedido, segundo disse à CNN a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Adrienne Watson.
⇒ A entrada de alimentos em Rafah foi suspensa por motivos de segurança, informou esta terça-feira a agência da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA), citada pela Lusa. A presença de tanques israelitas e os ataques constantes na cidade estão a impedir o acesso ao centro de distribuição desta organização e ao armazém do Programa Alimentar Mundial (PAM). Além disso, a disponibilização de cuidados médicos é cada vez mais difícil, já que só sete dos 24 centros médicos de Gaza estão a funcionar, e nos últimos dez dias não receberam qualquer material.