"Depois de 50 anos de opressão sob o poder do [partido] Baath, e 13 anos de crimes, de tirania e de deslocações [forçadas] (...) anunciamos hoje o fim deste período negro e o início de uma nova era para a Síria", escreveu a coligação os grupos rebeldes, liderada pelo grupo associado ao fundamentalismo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS), no Telegram, depois da queda de Damasco. Poucas horas antes, quando eram cerca de 2h30 da manhã em Portugal, começaram a surgir imagens de várias ruas silenciosas e desertas, por onde circulavam apenas, e sempre desimpedidas, as carrinhas dos rebeldes. “As nossas forças começaram a entrar em Damasco”, declarou o HTS numa mensagem. Após a tomada da cidade, a coligação pediu aos sírios deslocados no estrangeiro que regressem à “Síria livre”. E parece ser precisamente isso que está a acontecer. Segundo a BBC, há milhares de pessoas concentradas na fronteira do Líbano com a Síria, à espera de voltar ao país.
Durante a noite, numa troca emotiva de mensagens em áudio com o Expresso, o cientista político sírio e ex-repórter, refugiado na Alemanha, Mazen Hassoun dizia que já tinha tentado saber se as fronteiras estariam abertas imediatamente após a queda do regime mas, para já, não tinha essa informação. A BBC escreve que não há ninguém, neste momento, a guardar as fronteiras. “São 50 anos de dor, de separação de famílias, de desaparecimentos, de prisão e tortura e agora parece que está tudo nesta frase: ‘caiu o ditador’”, disse Hassoun, claramente a chorar, como, de resto, dezenas de pessoas que foram falando nas redes sociais do que passaram e sentiram nas últimas décadas em que viveram sob a tirania de Bashar al-Assad.
“A todas as forças militares na cidade de Damasco, é totalmente proibido aproximarem-se das instituições públicas, que vão ficar sob o controlo do antigo primeiro-ministro até à passagem oficial”, indicou em comunicado Abu Mohammad al-Jolani, que começou a usar o nome verdadeiro Ahmed al-Chareh.
O comunicado foi difundido na plataforma Telegram pela coligação rebelde.
Por seu lado, o primeiro-ministro sírio disse estar pronto “para cooperar” com “a nova liderança” escolhida pelo povo, precisando que ia estar esta manhã (hora local) na sede do governo para qualquer procedimento “de passagem” do poder. “Este país pode ser um país normal, [pode] construir boas relações com os vizinhos e o mundo (...) mas esta questão caberá à liderança que o povo sírio escolher. Estamos prontos a cooperar” de todas as formas possíveis, indicou Mohamed al-Jalali, num vídeo publicado na rede social Facebook.
Neste momento, celebra-se não a certeza de um futuro, mas a esperança de que ele seja um pouco melhor. Os grupos rebeldes que libertaram Damasco - um verbo que também podemos todos ter de rever, dependendo das leis e regras que os rebeldes venham a impor - são uma amálgama de credos e objetivos, e parte deles vem da linha dura do islão. Dito isto, a comunicação dos rebeldes com o resto do mundo, nestes últimos 10 dias, parece mostrar uma liderança pelo menos consciente que não conseguirá ganhar o aval do resto do mundo sem mostrar que tenciona respeitar os rituais religioso de todos os grupo que compõem a Síria, e são muitos: cristãos, curdos, drusos, xiitas, sunitas, ateus e todos as suas derivações.
Mohammed Ghazi al-Jalali, disse ainda numa entrevista à Al-Arabiya, citada pela agência Reuters, que deseja eleições em breve. Esta manhã, a Al-Arabiya citou o primeiro-ministro dizendo que o seu último contacto com Bashar al-Assad foi “ontem à noite" e que não tem qualquer informação sobre o paradeiro atual de Assad.
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