Dia “D+0” do luto no Reino Unido. O silêncio de um país a quem morreu “a mãe, a avó e a irmã”
Richard Baker/Getty Images
O Reino Unido tem novo monarca, mas ainda chora a partida da mais longa rainha da sua história. Milhares têm marcado presença em frente ao Palácio de Buckingham, agora pintado da cor das centenas de flores ali depositadas. O primeiro discurso de Carlos III correspondeu às expectativas. “Foi emotivo e muito ligado à mãe, como ele sempre foi”
Francisca Ferreira Marques, em Londres
Natasha não consegue conter as lágrimas. “É mesmo como se tivesse morrido a minha avó”, descreve a artista plástica, de 28 anos, que veio com o namorado prestar homenagem à rainha Isabel II. Junto aos portões do palácio de Buckingham, depositou um grande ramo de flores, que garante representar todas as mulheres da sua família. Viam a rainha “como um exemplo de força e resiliência”. Um gesto que tem sido replicado por milhares de pessoas, transformando assim os imponentes portões pretos da residência régia numa tela de cores, acompanhada de postais e velas.
Este tem sido local de passagem obrigatório para quem quer prestar homenagem à monarca na capital. Apesar das multidões, têm imperado o silêncio e a tranquilidade. Grace Lawrence partilha com o Expresso uma perspetiva singular deste dia. “Não consigo explicar o que sinto ao estar aqui. Sou invisual, mas esta calma, o cheiro das flores, o burburinho… é um sítio especial. Lembra-nos que somos uma comunidade, apesar de tantas diferenças.”
Apenas 24 horas após o anúncio da morte da mais duradoura soberana da história britânica, o anoitecer em Londres pintou as nuvens de laranja e afastou a chuva que se fez sentir ao longo do primeiro dia de luto no Reino Unido, designado por “D+0” no planeamento do funeral da rainha, previsto para o dia “D+10”. Milhares de pessoas continuam reunidas às portas da morada oficial da monarquia, em Londres. Ao contrário do cenário matinal desta sexta-feira, em que eram sobretudo pessoas sós que prestavam comovidas homenagens, a rotunda está repleta de famílias.
Lynette and Ray Smith vieram com os dois filhos, as noras, e cinco dos sete netos. As crianças, numa corrente de mãos dadas que começa na avó e termina no neto mais crescido, estão entusiasmadas com o programa, mas os mais velhos garantem que não é apenas um momento divertido. “A rainha sempre fez parte da nossa vida. É uma inspiração enquanto mulher. Temos muitas raparigas na família e queremos que cresçam a saber que também vão ser mulheres fortes um dia.”
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Questionados sobre se a relação forte que sentem é com a monarquia britânica ou com a rainha, os cabeças da família divergem: “É com a rainha”, garante Lynette, logo interrompida pelo marido, que garante que é pela monarquia. “Isabel II era a monarquia para nós, nunca conhecemos outra pessoa, mas o rei Carlos III tem o que é preciso. Vai continuar a ser respeitado. Ainda por cima, é corajoso e diz aos políticos o que precisam de ouvir. Vai fazer um excelente trabalho e a seguir vem William, que vai fazer ainda melhor”, defende Ray Smith.
A primeira aparição pública e o discurso oficial
Horas antes, naquele mesmo local, Carlos III saiu do carro e dirigiu-se aos milhares de pessoas que o aguardavam junto aos portões do palácio de Buckingham, para o receberem pela primeira vez enquanto rei. Acompanhado pela rainha consorte, Camila, percorreu as baias de segurança a cumprimentar quem o saudava enquanto novo rei, mas também para agradecer aos muitos que repetiam votos de lamento pela mãe. Houve tempo para conversas mais demoradas, para a versão atualizada do hino — “God Save the King” — e ainda um beijo na mão, da parte de uma entusiasta, e outro na cara. Em seguida, o casal entrou pelos portões, desapareceu a seguir ao arco, para preparar o momento seguinte num dia repleto de protocolo: a gravação do primeiro discurso de Carlos III.
Antes de este ser transmitido para todo o mundo, o chefe de Estado reuniu com a recém-indigitada primeira-ministra, Liz Truss, que se dirigiu depois para a catedral de São Paulo. Nesta imponente igreja celebrou-se uma cerimónia religiosa de homenagem a Isabel II, com a presença de políticos britânicos e ainda 2000 cidadãos comuns, que tiveram de garantir o lugar horas antes.
Melissa foi uma das que aproveitaram a hora de almoço para conseguir uma pulseira de acesso, sobretudo em homenagem à mãe. “Vive em Manchester, já está um pouco frágil e não podia vir. Pediu-me muito que viesse.” A professora primária aproveitou e trouxe a própria filha. “Quero que ela saiba que também fez parte deste momento histórico”, explica a mulher de 42 anos. Um dos muitos testemunhos de gerações reunidas em torno deste momento, num espelho do rasto que deixa o mais longo reinado do país.
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Fora da catedral, centenas de pessoas reuniram-se para acompanhar à distância a transmissão do discurso do rei e da cerimónia, incluindo um casal canadiano. “Trabalhamos aqui perto e quisemos prestar a nossa homenagem. Os nossos pais ficam comovidos com a nossa presença, respeitam muito a rainha, até pela ligação da Commonwealth”. Isabel II era chefe de Estado do Canadá, além do Reino Unido e de outros 13 países. Agora esse papel cabe a Carlos III.
Antes de o novo rei falar, tocaram os sinos da catedral: 96 vezes, em referência aos anos de vida da rainha. Foram 27 minutos de profundo silêncio, numa rua que é, habitualmente, das mais movimentadas de Londres. Quanto ao discurso de nove minutos que se seguiu, parece ter correspondido às expectativas de quem ali estava. “Foi um discurso emotivo, muito ligado à mãe, como ele sempre foi, e que demonstrou que está pronto para o cargo que vai assumir”, comentou um assistente ao Expresso. Aos 73 anos, Carlos III é o mais velho monarca a tomar posse na história do Reino Unido.
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