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Guerra na Ucrânia

Macron quer que a Europa seja a terceira superpotência, a competir com EUA e China – mas pode acabar a “minar a unidade ocidental”

Emmanuel Macron, em Pequim
Emmanuel Macron, em Pequim
LUDOVIC MARIN

Taiwan e Ucrânia podem, afinal, não ser pontos de união, mas de divisão, no Ocidente. Macron foi a Pequim e pôs em causa a linha norte-americana, mostrando uma França mais dócil para com a China (como foi com a Rússia) e que ambiciona ser líder de um bloco geoestratégico europeu. Mas os analistas alertam para os perigos da política - e da “nostalgia” em relação a uma hegemonia perdida - do Presidente francês: “Macron tornou mais fácil para o Partido Comunista Chinês atirar os europeus uns contra os outros”, garante o analista alemão Roland Freudenstein

Era maio, corria o ano de 2017, e o Presidente russo, Vladimir Putin, encontrava-se em Versalhes para, juntamente com Emmanuel Macron, falar aos jornalistas em conferência de imprensa. A rainha Anna, que casou em 1051 com Henrique I, de França, era trazida à colação. Putin apoderava-se de uma rainha da chamada Rússia de Kiev [confederação que se desagregou no século XII e que incluía parte das atuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia] e que começara a construir as relações com França; as câmaras das televisões captavam Macron, que sorria, sem capacidade para reparar o erro. Mas Petro Poroshenko, então Presidente da Ucrânia, sabia da importância histórica de Anna na aproximação de Kiev ao coração da Europa. No mês seguinte, Poroshenko viajou para França e ajoelhou-se diante da estátua da rainha. Foi quando o Presidente francês pôde redimir-se: Anna de Kiev provara que os laços entre as duas capitais europeias estavam “ancoradas nas profundezas do milénio passado”, disse.

De lá para cá, Macron incorreu em mais potenciais erros históricos. Desde a manifestamente exagerada declaração sobre a “morte cerebral” da NATO à mais recente demarcação da política externa norte-americana, o Presidente francês mostrou querer provar que França corre em pista própria quando o assunto é geopolítica mundial. No avião de volta a casa, após uma visita de três dias a Pequim, Emmanuel Macron afirmou, de acordo com o “POLITICO”, que a Europa deveria reduzir a sua dependência dos EUA e, com isso, evitar ser empurrada para um confronto com a China por causa de Taiwan.

Mais: o plano do Presidente francês passa pela criação da “autonomia estratégica” europeia, em que França pudesse liderar e tornar-se a terceira superpotência. A visão eurocêntrica do chefe de Estado colocaria o continente, e França em particular, como um ator geopolítico com agenda própria que não seguia a linha norte-americana. “O problema é que isso não é devidamente esclarecido, e, pelo contrário, quase envia uma mensagem à China de que a Europa não reagiria fortemente se Pequim empreendesse uma manobra militar em Taiwan”, afirma, em declarações ao Expresso, Una Aleksandra Bērziņa-Čerenkova, cientista política, perita em questões da China, e líder do programa de doutoramento em Ciência Política e Centro de Estudos da China na Universidade de Riga.

“O risco real e mais imediato é que a posição da França provoque uma fissura na unidade ocidental e europeia.”

A China é um mercado que a economia francesa quer continuar a explorar. Dezenas de empresários franceses foram também até Pequim, tendo resultado, desse encontro, a assinatura de 36 negócios, que vão desde a tecnologia energética nuclear à aeronáutica, cosmética e exportação de carne de porco. Una Aleksandra Bērziņa-Čerenkova não acredita, no entanto, que o perigo da leitura política de Macron seja a eventual aproximação de Paris a Pequim ou Moscovo. “O risco real e mais imediato é que a posição da França provoque uma fissura na unidade ocidental e europeia, colocando em risco a dissuasão ocidental contra a Rússia e a China.”

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