Guerra na Ucrânia

Moscovo apresenta plano para a reconstrução de Mariupol: depois de reduzir a cidade a ruínas, quer duplicar a população até 2030

Imagem divulgada no plano russo para Mariupol
Imagem divulgada no plano russo para Mariupol
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Depois de mandarem destruir milhares de milhões de euros em infraestruturas de Mariupol, as autoridades russas estabeleceram um plano de recuperação da cidade portuária. Os objetivos, traçados até 2035, revelam como prioridade “mascarar” os destroços deixados pela guerra, provocada pela ocupação russa

Encomendado pelo Ministério da Construção da Rússia e preparado por uma organização federal designada Instituto Unificado de Planeamento Espacial, o plano para a reconstrução da cidade ocupada de Mariupol - divulgado pelo site de notícias russo “The Village” - contém as diretrizes genéricas para um processo que se prolongará até 2035. As ideias apresentadas demonstram a preocupação com a regeneração dos elementos mais simbólicos da cidade e um aparente menor interessa pela sua população, que não foi consultada e foi cercada e saqueada durante meses.

Um dos aspetos que se destacam é a estimativa da população total da cidade portuária: em 2022, viverão em Mariupol 212 mil pessoas, metade dos moradores existentes antes da guerra (450 mil). Pelo menos 20 mil pessoas terão morrido durante o cerco russo à cidade, e outras dezenas de milhares fugiram da cidade, tornando-se refugiadas ou deslocadas. Pelos cálculos do Governo russo, no entanto, o número de baixas tornadas públicas corresponderá a um registo conservador.

Em dez anos, a população de Mariupol deverá mais do que duplicar, de acordo com as projeções de Moscovo. As autoridades russas esperam que 350 mil pessoas vivam na cidade até 2025. Até 2030, a cidade recuperaria, então, a sua população pré-guerra, e o Kremlin antecipa que, até 2035, meio milhão de pessoas habitem o concelho. Contudo, o plano carece de esclarecimentos acerca de quem serão os residentes de Mariupol (pessoas mais velhas ou mais novas, de que nacionalidades e idades) e de que forma a cidade voltará a ser mais densamente populada.

O documento preconiza que as prioridades para a reabilitação do espaço urbano deverão ser essencialmente quatro: em primeiro lugar, a reconstrução de casas particulares e prédios de apartamentos, bem como a construção de novos prédios de apartamentos pré-fabricados; depois, a criação de emprego em setores de elevada procura; segue-se a recuperação das áreas de suporte à vida, como os serviços públicos, transportes e infraestruturas sociais; e, por fim, a manutenção e recuperação de áreas naturais, implementação de tecnologia de produção ecológica, paisagismo e otimização do solo.

Indústria: o ferro e aço da economia de Mariupol

Os planos de Moscovo expõem que o setor primário do setor urbano continuará a ser, como tradicionalmente, antes da guerra, a indústria (numa proporção de 23%) e a metalurgia. As autoridades russas esperam desenvolver a conhecida central metalúrgica Azovstal e o complexo Ilyich - também pertencente ao empresário mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov - na mesma medida. Está ainda previsto construir um novo parque industrial no território das instalações de Azovstal que, segundo a Rússia, geraria 9200 empregos.

Os setores da saúde, serviços sociais e “atividades de assistência residencial” deverão absorver 18% dos trabalhadores, e 17% dos postos de trabalho serão destinados aos setores de administração pública e defesa.

A restauração da cidade começa por Azovstal e pelo centro histórico, dois grandes símbolos que, em ruínas, não aludem à riqueza e bem-estar que Moscovo deseja promover. Os bairros residenciais soviéticos - as áreas mais densas e danificadas da cidade, onde dezenas de milhares de pessoas perderam as casas - não deverão ser reconstruídos antes de 2030 ou até 2035.

Apagar os despojos da guerra

O plano indica que os engenheiros russos pretendem construir ou substituir um total de 2,24 milhões de metros quadrados de habitações até ao final de 2022, mais 2,76 milhões de metros quadrados de habitação até 2025, outros 2,5 milhões de metros quadrados de habitação até 2030 e mais 1,25 milhões de metros quadrados até 2035. Durante esse período, deverão ser reformados ou construídos 105 creches, 92 escolas e 19 estabelecimentos de saúde.

Um especialista em planeamento urbano ouvido pelo site “The Village” observa que o objetivo do documento “não é o desenvolvimento estratégico a longo prazo, mas algo especificamente tático: esconder rapidamente os vestígios da guerra no centro e ‘pintar’ um quadro alegre numa pequena área da cidade, não para os moradores, mas para as pessoas de fora”.

No centro histórico de Mariupol, foram escolhidas a dedo as estruturas que deverão ser restauradas: a Catedral da Proteção da Virgem Santa, o centro cultural Azovstal, várias fábricas de produção têxtil, a Praça do Teatro e o Teatro Drama, que foi bombardeado pelas forças russas, matando entre 300 e 600 pessoas que ali se abrigavam, a 16 de março, de acordo com o site independente Meduza, banido na Rússia. Dias depois, as autoridades da autoproclamada República Popular de Donetsk afirmaram ter encontrado apenas 14 corpos entre os escombros.

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