Guerra na Ucrânia

Estratégia agressiva para obter mais território ucraniano e antecipar a resposta à grande "contraofensiva": para onde irá a Rússia a seguir?

Soldados russos deslocados na região de Kherson
Soldados russos deslocados na região de Kherson
OLGA MALTSEVA

A recusa de voltar à mesa de negociações com a Ucrânia, os planos para anexar territórios, tal como foi feito com a Crimeia, em 2014, ou as promessas de que as tropas russas irão mais longe são sinais claros de que a Rússia voltou a redefinir a estratégia. O sul da Ucrânia deverá ser o novo alvo preferencial

O foco militar da Rússia na Ucrânia já não é apenas o leste do país. "Está longe de ser apenas a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk, é também a região de Kherson, a região de Zaporíjia e vários outros territórios. Esse processo continua, de forma constante e persistente." Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, redirecionou a estratégia, alegando, numa entrevista à imprensa estatal russa, que Moscovo alterou os objetivos depois de o Ocidente ter fornecido à Ucrânia armas de longo alcance. De acordo com o governante, as tropas russas teriam agora de empurrar as forças ucranianas ainda mais para longe da linha da frente para garantir a segurança da Rússia.

A alvorada de um novo momento tático corrobora a rejeição da retomada de negociações com a Ucrânia - vincada por Lavrov - e a acusação da Casa Branca de que a Rússia se prepara para anexar partes do país invadido. A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, alegando que os falantes de russo na região do Donbas, no leste da Ucrânia, sofreram um "genocídio" e que precisavam de ser libertados. Cinco meses depois, a Rússia ocupou partes do leste e do sul do país, mas falhou o objetivo original de capturar Kiev. Desde então, Moscovo tem afirmado que o principal objetivo era a libertação do Donbas.

Desde fevereiro, o Ocidente fornece à Ucrânia armamento cada vez mais pesado e mortífero e o Kremlin advoga que essa "ameaça" forçou a Rússia a expandir ainda mais os seus objetivos. "Não podemos permitir que a parte da Ucrânia controlada por Zelensky possua armas que representem uma ameaça direta ao nosso território", sustentou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo.

Lavrov referiu-se especificamente ao sistema de lança-foguetes de longo alcance HIMARS, fornecido recentemente pelos EUA. Há já alguns dias, as forças ucranianas têm usado os HIMARS para atingir uma ponte estratégica em Kherson, uma das cidades ocupadas. A ponte Antonivskyi é uma das duas pontes das quais a Rússia depende para abastecer as áreas que capturou na margem oeste do rio Dnipro, incluindo Kherson.

O ministro russo descreveu o fornecimento de armas do Ocidente à Ucrânia como uma ação de quem tem um "desejo de piorar as coisas".

"A geografia é diferente agora"

Sergei Lavrov aponta um novo mapa, com uma geografia "diferente": as regiões do sul, Kherson e Zaporíjia, passam a integrar a lista dos mais recentes objetivos da Rússia. As forças de Moscovo já ocupam partes de ambas as regiões.

O alargamento dos objetivos da Rússia também foi observado, na terça-feira, pelo porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, que adiantou que a Rússia já está a fazer planos para anexar grandes áreas do território ucraniano. O alto responsável norte-americano acusou Moscovo de usar um "manual" semelhante ao da captura da Crimeia, em 2014, com a organização de um referendo simulado.

O representante da Casa Branca detalhou, também, que a Rússia está já a instalar funcionários pró-russos "ilegítimos" para administrar regiões ocupadas da Ucrânia. Essas novas "administrações" terão a seu cargo a organização de referendos locais para decidir, por voto popular, a integração na Rússia, possivelmente já em setembro. Os resultados das votações serão usados ​​pela Rússia "para tentar reivindicar a anexação do território ucraniano soberano", explicou John Kirby.

A Crimeia foi anexada pela Rússia em 2014, após um referendo organizado à pressa e visto como ilegal pela comunidade internacional. Os eleitores optaram por se juntar à Rússia. Muitas autoridades de Kiev ofereceram resistência, assinalando que a ação política não foi livre nem justa.

Votações semelhantes realizadas em outras regiões da Ucrânia poderiam ter resultados análogos, já que a oposição à adesão à Rússia tem sido amplamente suprimida.

John Kirby disse que quis "expor" os planos russos "para que o mundo saiba que qualquer suposta anexação é premeditada, ilegal e ilegítima", e prometeu que haverá uma resposta rápida dos EUA e dos seus aliados.

As áreas visadas para anexação incluem Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Luhansk, adiantou o alto funcionário norte-americano, referindo-se precisamente às regiões que Lavrov diz serem agora objetivos russos.

O Governo russo tem estado sob pressão de 'bloggers' militares pró-guerra, um grupo cada vez maior que critica o desempenho do exército e continua a exigir ao Kremlin que expanda as suas ambições territoriais.

A Rússia tem o que temer?

Uma ponte crítica foi bombardeada, depósitos de munições foram destruídos e estes são apenas alguns dos exemplos da intensificação dos ataques da Ucrânia às forças russas nas últimas 48 horas, na província de Kherson. Sergei Lavrov garantiu estar a fazer novos planos, como a reação à ampla contraofensiva orquestrada pelo país invadido, mas a pausa operacional russa também pode ter ajudado a afinar a tática.

A cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, foi capturada pelas forças russas no início de março, e Moscovo está agora a tentar tomar o controlo da região. Kherson, que tem um porto e um centro de construção naval, tem, como aponta o jornal "The New York Times", um imenso valor estratégico e simbólico para o Governo de Volodymyr Zelensky. Uma contraofensiva também marcaria uma mudança significativa na guerra, pelo que o momento é crítico.

“A Ucrânia e os seus parceiros ocidentais podem ter uma janela de oportunidade muito estreita para apoiarem uma contraofensiva ucraniana no território ocupado antes que o Kremlin o anexe”, alertou John Kirby, na terça-feira. Os militares russos não conquistam novos territórios há semanas e os ucranianos dizem que as suas posições defensivas foram estabilizadas.

Se a Ucrânia montar uma ampla contraofensiva, forçará ambos os lados a enfrentarem decisões difíceis, dizem analistas militares ouvidos pelo "Times". Para Zelensky, isso testará se as forças ucranianas são capazes de fazer mais do que manter terreno e se a promessa de recuperar o território perdido para a Rússia desde 2014 é viável.

Os militares da Rússia, por outro lado, teriam de decidir até que ponto se poderiam comprometer com a defesa de um território, principalmente se a ponte crítica for destruída e o reabastecimento das forças sob ataque se tornar mais difícil.

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