“A Rússia pensa que para se sentir segura tem de dominar os países vizinhos”: uma análise à expansão da NATO e à adesão da Finlândia
“Putin esmagou um dos pilares da política de segurança finlandesa, é por isso que agora estão prestes a aderir à NATO”, analisa Kristi Raik, diretora do Instituto de Política Externa da Estónia no Centro Internacional de Defesa e Segurança, e professora na Universidade de Turku, na Finlândia. O Presidente russo encara o alargamento da aliança atlântica como uma ameaça e “nunca mudará a forma como pensa”, antecipa ainda a especialista em política externa e segurança europeia
A estoniana Kristi Raik publicou, recentemente, a obra “As Relações União Europeia-Rússia na Nova Era Putin: Não há muita luz no fim do túnel” e o título diz quase tudo. Em entrevista ao Expresso, a académica sublinha que as ambições russas são um “problema fundamental” para os Estados vizinhos que se querem manter soberanos e independentes, incluindo a Ucrânia, a Finlândia e a Suécia, e desconstrói a narrativa de Vladimir Putin sobre a NATO.
No seu discurso no Dia da Vitória, Putin disse que a NATO era uma “ameaça óbvia” para a Rússia e que o Ocidente estava a ameaçar as fronteiras do seu país, logo havia “uma necessidade de lutar”. Este argumento de Putin não é novo…
O mesmo pensamento foi novamente expresso no discurso de Putin na segunda-feira: esta ideia de que a Ucrânia não existe como um país independente, que pertence à Rússia — mais uma vez algo que os ucranianos rejeitam fortemente. O discurso de Putin foi de facto uma sustentação de ideias antigas. Colocou a Rússia numa posição de vítima que se sentiu ameaçada pela NATO e, por isso, teve de se defender.
A Rússia pensa que, para se sentir segura, tem de controlar e dominar os países vizinhos. Isso impulsiona profundamente o seu modo de pensar e ambição: a Rússia tem esta ideia de que a sua esfera de influência tem de ser muito poderosa e não encontrou uma forma de desenvolver relações amigáveis com os Estados mais pequenos e independentes que a rodeiam. E este é um problema fundamental: faz com que os países vizinhos se sintam inseguros, não querem pertencer à esfera de influência da Rússia nem querem ser dominados, e é por isso que procuram agora a adesão à NATO, como se verifica com a Finlândia e a Suécia.
Kristi Raik é a diretora do Instituto de Política Externa da Estónia no Centro Internacional de Defesa e Segurança
A invasão russa da Ucrânia e as ameaças que o Kremlin já dirigiu à Finlândia e à Suécia caso adiram à NATO são uma “desculpa” da Rússia para mascarar o desejo de aumentar a tal esfera de influência?
É uma forma de a Rússia expressar o desejo de estabelecer a sua esfera de influência. Mas o que realmente fez com que a Finlândia começasse a repensar a sua posição foi a proposta que Putin fez em dezembro do ano passado, quando apresentou uma lista de exigências — incluindo a exigência de que a NATO não deveria expandir-se mais. Penso que o Presidente finlandês foi o primeiro líder ocidental a reagir de forma muito firme a esta proposta: ele viu-a imediatamente como um problema fundamental, Putin esmagou um dos pilares da política de segurança finlandesa.
A Finlândia tem tentado construir boas relações de vizinhança com a Rússia e ter em consideração as preocupações de segurança de Putin. Mas agora os finlandeses veem que esta abordagem não funciona porque não proporciona a segurança de que necessitam, e há o risco de a Rússia comportar-se de forma agressiva, em vez de respeitar o direito dos seus vizinhos a escolherem a sua política de segurança. É por isso que agora a Finlândia está prestes a aderir à NATO.
A Rússia era demasiado fraca nos anos 90 para manter o seu império, mas não desistiu da ideia de que tinha direito a um papel privilegiado no espaço pós-soviético. É uma forma de se “vingar” e marcar a sua posição, agora que está mais forte?
Sim, Putin chegou ao poder em 2000 e desde então temos visto duas tendências contínuas. Primeiro, o gradual aumento de autoritarismo que agora se transformou em totalitarismo; segundo, o gradual surgimento da esfera de influência e ambição imperial. Isto foi acompanhado por um desenvolvimento económico positivo na Rússia, especialmente durante a primeira década do domínio de Putin. Estas duas coisas estão ligadas uma à outra: o sistema político interno na Rússia e o tipo de frontalidade que o país exerce.
Também é bom lembrar que, nos anos 90, a Rússia não desistiu realmente desta ideia de que, de alguma forma, tinha direito a controlar o espaço pós-soviético. Nessa altura, pudemos experienciar nos Estados Bálticos e nas ex-repúblicas soviéticas que a Rússia estava a tentar manter o seu papel privilegiado.
Então considera que Putin continuará a acreditar que precisa de dominar outros países… O futuro não é muito otimista?
Penso que Putin nunca mudará o seu pensamento, incluindo sobre a Ucrânia ou sobre a necessidade de a Rússia ter a sua esfera de influência. O que vem depois de Putin, não sabemos. Mas não seria muito otimista, basta olhar para a história da Rússia ao longo do último século: a ambição imperialista e territorialista tem estado lá. Portanto, os países vizinhos da Rússia precisam de estar preparados para a mesma abordagem que temos visto até agora.
Sean Gallup/Getty Images
De qualquer forma, a NATO tem direito a expandir-se, aceitando novos membros, e o Ocidente e os países vizinhos não podem simplesmente ceder à pressão da Rússia…
Sim, e tem sido um objetivo de longa data da Rússia redefinir a segurança europeia. De alguma forma, esta ideia de ter um papel especial entre os países vizinhos sempre esteve presente, mas foi muito claramente expressa pela primeira vez na tal proposta que eles apresentaram em dezembro do ano passado. Aí já não houve quaisquer dúvidas. É preciso encontrar soluções que proporcionem segurança e estabilidade para que os países vizinhos da Rússia, que querem ser democráticos, independentes e soberanos, possam escolher o seu próprio caminho.
Alguma vez houve uma janela de oportunidade para a Rússia integrar a NATO?
De alguma forma, a ideia de a Rússia integrar a NATO — e mesmo a União Europeia — surgiu nos anos 90, mas penso que a Rússia nunca teria aceite ser tratada como um candidato normal, passando pelo mesmo processo de aceitação e cumprindo todos os critérios exigidos aos restantes países.
Lembro-me de Putin ter perguntado, na altura, porque é que não convidavam a Rússia a aderir, mas a resposta da NATO foi: “Os países que querem entrar têm de se aplicar e respeitar o processo e critérios de aceitação”. Mas isto não era algo pelo qual a Rússia estivesse disposta a passar. Além disso, a Rússia nunca chegou muito longe no seu processo de democratização, pelo que nunca cumpriu realmente os requisitos básicos para aderir à organização ocidental.