“Se o brilho de mil sóis explodisse de uma só vez no céu, seria como o esplendor do Poderoso... Eu tornei-me a Morte, a Destruidora dos Mundos”. Foram estas as palavras, plasmadas num verso do texto sagrado hindu “Bhagavad Gita”, que o físico norte-americano Robert Oppenheimer, diretor do Projeto Manhattan, recitou após ter testemunhado a explosão gerada pela “Experiência Trinity”, realizada a 16 de julho de 1945 no deserto de Los Alamos, no Novo México.
Aquele foi o primeiro teste de uma arma nuclear e libertou uma energia equivalente a 20 mil toneladas de dinamite. Quase um mês depois, a 6 de agosto, os Estados Unidos lançaram sobre Hiroshima a “Little Boy”, uma bomba com um poder destrutivo de 15 mil toneladas. Passados três dias, a “Fat Man” arrasou Nagasáqui com uma força de 21 mil toneladas.
A capitulação do Império do Japão pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas o mundo estava mais ameaçado do que nunca com a possibilidade de um holocausto nuclear que poderia acabar com a vida na Terra num qualquer momento mais quente da Guerra Fria. As duas maiores potências da época, União Soviética e Estados Unidos, iniciaram uma autêntica corrida ao armamento nuclear. A escalada foi de tal ordem que o poder destrutivo de bombas atómicas como as de Hiroshima e Nagasáqui tornou-se irrisório quando comparado com a potência das bombas de hidrogénio.
A soviética “Tsar Bomb”, testada em 1961 no arquipélago russo de Nova Zembla, no Oceano Ártico, libertou uma energia equivalente a 50 milhões de toneladas de dinamite — ou seja, 3.300 vezes mais potente do que a bomba de Hiroshima — e é até hoje a arma mais poderosa concebida pelo ser humano. Do arsenal nuclear norte-americano, a bomba termonuclear “Castle Bravo”, testada a 1 de março de 1954, foi a mais potente que os EUA mostraram ao mundo, mil vezes mais potente do que a “Little Boy”.
Com a dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria, a corrida ao armamento esfriou mas não congelou. Atualmente, a Rússia tem 4477 ogivas nucleares, o que a torna na principal potência atómica, seguida pelos EUA que detêm 3708 ogivas, de acordo com dados relativos a 2022 do Our World In Data.
No entanto, escreve o “The New York Times”, as pequenas bombas atómicas podem tornar-se a principal ameaça nuclear no cenário de guerra na Ucrânia. As armas termonucleares mais potentes têm sobretudo uma função dissuasora: servem para mostrar ao outro lado que qualquer ataque nuclear terá uma resposta arrasadora. No fundo, são armas que não são para ser usadas e têm como finalidade garantir que outra superpotência também não as utiliza por temer uma retaliação.
Mas tanto a Rússia como os Estados Unidos possuem ogivas bem menos destrutivas, com um poder bastante inferior à de Hiroshima. Isso torna o uso destas bombas mais pequenas menos devastador mas, ao mesmo tempo, mais assustador, uma vez que podem não provocar tanta indecisão no momento de carregar no botão. E se Putin se sentir encurralado, então pode não pensar duas vezes no momento de lançar um ataque deste tipo.
“As chances são baixas mas crescentes”, adverte Ulrich Kuhn, especialista nuclear da Universidade de Hamburgo, na Alemanha. “A guerra não está a correr bem para os russos e a pressão do Ocidente está a aumentar. Putin pode disparar uma arma [nuclear mais pequena] contra uma área desabitada”, observa Kuhn, citado pelo “The New York Times”. “É horrível falar destas coisas, mas temos de admitir que se está a tornar uma possibilidade”, alerta.
“Putin está a usar a dissuasão nuclear para conseguir o que quer na Ucrânia”, comenta a cientista política Nina Tannenwald. “As suas armas nucleares impedem o Ocidente de intervir”, acrescenta a especialista da Universidade Brown, nos EUA.
A natureza menos destrutiva destas armas nucleares mais pequenas pode criar a ilusão em quem as decidir usar de que conseguirá um ataque atómico controlado, em vez de desencadear um holocausto nuclear. No entanto, menos destrutivas não é sinónimo de pouco destrutivas, pois metade da potência da bomba de Hiroshima seria o suficiente para matar ou ferir meio milhão de pessoas, caso fosse detonada no centro de Manhattan.
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