O teatro da cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, foi esta quarta-feira alvo de um bombardeamento russo que destruiu toda a infraestrutura onde estavam alojadas entre 1000 a 1200 pessoas, segundo informou Sergei Orlov, autarca da cidade, numa entrevista à BBC.
Essencial no plano russo de ligar as “repúblicas” de Donetsk e Luhansk à península também ocupada da Crimeia, Mariupol tem visto destruídas as suas mais importantes infraestruturas civis: a maternidade, hospitais, incluindo pelo menos um hospital pediátrico, e também uma mesquita e outros locais identificados pelas autoridades ucranianas como pontos seguros. Imagens de satélite mostram que Mariupol ficou praticamente irreconhecível desde que as tropas russas cercaram a cidade.
No entanto, o ministério da Defesa da Rússia diz que o bombardeamento não foi executado por forças russas mas sim pelo batalhão Azov, conhecido pelas suas posições de extrema-direita. É mais uma página de propaganda, que, como escreveu no Twitter Anton Barbashin, diretor do “Riddle Russia”, um jornal online sobre atualidade russa, já não serve para enganar ninguém fora da Rússia, é apenas “para consumo interno”.
Na página da cidade no Twitter apareceu recentemente uma imagem que mostra os danos ao edifício - imensos. Na legenda lê-se que “as forças russas atacaram o Teatro Drama, no coração de Mariupol, de propósito e de forma cínica”. Se realmente estivessem dentro do complexo o número de pessoas avançado pelo presidente da câmara, o número de vítimas pode ser o maior a resultar de qualquer ataque cometido pelos russos até agora nesta guerra. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, publicou uma fotografia do teatro antes do ataque.
Mariupol tem sido particularmente fustigada nos últimos dias, é uma das cidades onde mais civis morreram e também aquela onde as reservas de água e comida estão praticamente esgotadas.
Operações para retirada de pessoas têm sido interrompidas por ataques russos, que não só têm destruído infraestruturas civis como, após o maior ataque, continuam a lançar morteiros contra as zonas afetadas para dificultar o resgate de feridos ou o trabalho dos bombeiros que precisam de apagar os fogos resultantes das bombas. As primeiras operações de retirada aconteceram já esta semana, na segunda e terça-feira, com cerca de 20 mil pessoas levadas para fora da cidade, em direção a Zaporizhzhia.
Pelo menos 4000 carros foram autorizados pelos russos a sair da cidade, e 570, segundo confirmou à Al Jazeera o gabinete do Presidente Volodymyr Zelensky já chegaram ao destino. Outros estão a parar em cidades mais a oeste.
Os Serviços de Informação para a Proteção da Ucrânia entretanto também divulgaram informações sobre outros ataques a edifícios que estavam a servir de abrigo, como as instalações das piscinas públicas Neptune. “Havia pessoas lá, mas como os morteiros continuam a cair é impossível ir retirar os destroços”, lê-se numa publicação recente no Twitter.
Só em Mariupol já morreram pelo menos 2500 pessoas, segundo disse um dos conselheiros presidenciais da Ucrânia, Oleksiy Arestovych, à agência Reuters. Muitas, e muitas crianças, estão a ser enterradas em valas comuns, como descreve o artigo da Associated Press no local. Há mais de dez dias que os bombardeamentos são quase constantes na cidade, incluindo no centro e em zonas residenciais.
As pessoas que estão a chegar a cidades mais seguras recordam experiências traumáticas, para elas e para as suas famílias. Um homem, pai de duas crianças, disse à Al Jazeera que não tomava banho há 10 dias, que a família bebeu água de poças na rua e que foi obrigado a roubar supermercados, como outros homens, para levar comida para os seus pais idosos e para as crianças. Como outras, também esta família foi mandada para casa diversas vezes, depois de impedida a sua retirada pelos contínuos ataques russos.
Há também quem descreva guiar lentamente numa estrada minada, enquanto carros incendiados na berma lhes lembravam o perigo que iam correndo a cada minuto. “Enquanto passávamos, vimos um automóvel queimado. Os soldados disseram que o carro, onde estava uma mulher, explodiu ao passar por cima de uma mina, uma hora antes de nós passarmos”, contou um residente em fuga.
O Comité Internacional da Cruz Vermelha não tem conseguido entregar ajuda humanitária à cidade.