Guerra na Ucrânia

A central de Zaporizhzhia esteve perto de um acidente nuclear? Tudo indica que não (e explicamos porque é que nunca seria como Chernobyl)

A central de Zaporizhzhia esteve perto de um acidente nuclear? Tudo indica que não (e explicamos porque é que nunca seria como Chernobyl)

A situação em Zaporizhzhia está, por agora, controlada. Os reatores da central nuclear não foram atingidos pelo incêndio desta madrugada, e o revestimento que foi colocado ao redor destas estruturas terá robustez para sobreviver a grandes impactos

Não é de espantar que hoje, mais de três décadas depois, Chernobyl ainda seja uma cidade fantasma. Em 1986, um acidente nuclear provocou um grau de devastação sem precedentes: um dos reatores da central nuclear explodiu após terem sido feitos testes que violavam os protocolos de segurança. A explosão de um reator chegou a libertar uma nuvem gasosa 200 vezes mais radioativa do que as que se formaram em Hiroshima e Nagasaki, aquando dos ataques com bomba atómica.

A história já é conhecida, e a tomada do controlo, por parte das tropas russas, da central ucraniana de Zaporizhzhia, a maior da Europa, reavivou memórias e receios. Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, denunciou, durante a madrugada, que um incêndio tinha ocorrido na infraestrutura no sudeste do país, após os bombardeamentos russos.

Diferenças nas formas de funcionamento explicam diferentes graus de risco

Zaporizhzhia situa-se perto de Enerhodar, a 500 km de Chernobyl. Além da geografia, as duas centrais são em vários pontos distantes. Ao contrário do que acontece em Chernobyl, os seis reatores de Zaporizhzhia, construídos no início dos anos 1980, são de água pressurizada. Tony Irwin, do departamento de Física Nuclear da Australian National University, esclarece, em resposta ao Expresso, que a maior central europeia está, por isso, equipada com “o reator mais popular e mais usado em todo o mundo, o mesmo que é utilizado em submarinos que funcionam a energia nuclear”.

O que distingue os dois tipos de reatores, de Zaporizhzhia e Chernobyl, em termos de segurança é a existência ou não de estruturas de contenção ao seu redor, de forma a impedir a libertação de radiação. Tony Irwin explica que o revestimento dos reatores de Zaporizhzhia, feito de metal e cimento, e que foi concebido para poder resistir a um impacto semelhante ao que teria a queda de uma aeronave, “mantém a água que poderia ser radioativa dentro da estrutura”. No caso de Chernobyl, isso não acontecia.

Os quatro reatores de Chernobyl funcionavam mediante um sistema de água em ebulição, e a contenção era inexistente. “Como em Chernobyl o tipo de reatores usados era muito grande, um revestimento deste tipo seria muito caro”, refere o engenheiro nuclear Tony Irwin.

Já em comparação com Fukushima, os reatores de Zaporizhzhia têm circuitos de água separados para arrefecer o reator e produzir vapor. Há ainda, na central ucraniana, sistemas de arrefecimento do núcleo de emergência e vários sistemas de injeção para evitar a fusão do núcleo.

Qual é a situação até ao momento?

Zaporizhzhia possui uma capacidade total de 5,7 gigawatts, o suficiente para abastecer mais de quatro milhões de casas. Por esse motivo, Dmytro Kuleba começou por alertar que uma explosão nesta central seria dez vezes maior do que em Chernobyl. No entanto, os serviços de emergência locais revelaram mais tarde que o fogo estava circunscrito a um complexo, não havendo risco imediato para os reatores.

Não há, por isso, até ao momento, nada que indique que possa haver um acidente nuclear, como o que ocorreu em Chernobyl. A Ucrânia esclareceu à Agência Internacional de Energia Atómica que o fogo não tinha atingido “equipamento essencial”, e que não foram detetadas alterações nos níveis de radiação. Os reatores encontram-se “protegidos por estruturas robustas” e estão a ser desligados de uma forma segura, garantiu também Jennifer Granholm, secretária de Estado da Energia dos EUA. A representante da Casa Branca adiantou ainda que foi ativada de imediato uma equipa de resposta a acidentes nucleares.

As tropas russas podem, ainda assim, aumentar os riscos?

Há três possibilidades, já adiantadas pelos especialistas norte-americanos, de agravar os riscos até agora sob controlo. Se as forças russas cortarem a energia da instalação e destruírem os geradores a diesel de backup, o operador da central nuclear pode ter dificuldades em manter as barras de combustível frias.

Se o combustível nuclear usado for armazenado em reservatórios no local, um ataque pode libertar os fluidos responsáveis pelo arrefecimento e fazer com que o combustível derreta, o que exporia aquela área a grandes níveis de radioatividade.

Por outro lado, se acontecerem incêndios após bombardeamentos que façam romper a estrutura de contenção em torno dos reatores de água pressurizada, ver-se-á aumentado o risco de libertação de radiação no ar, num processo muito próximo ao que aconteceu em Fukushima.

Tony Irwin lembra que a central de Zaporizhzhia fornece 25% da eletricidade produzida na Ucrânia, pelo que a “Rússia quis controlá-la para também dominar o fornecimento de eletricidade”.

“Apesar da evidente imprudência de lutar perto de uma central nuclear, não seria do interesse da Rússia causar uma libertação de materiais radioativos, porque isso afetaria imediatamente o seu próprio exército nas proximidades e também poderia fazer com que uma nuvem radioativa se espalhasse pelo Oeste da Rússia, e particularmente pela região da Crimeia, logo a Sul da central”, remata o engenheiro nuclear.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate