Guerra na Ucrânia

Os outros países que tremem com um avanço da Rússia (e as fronteiras em que o Kremlin vê ameaças)

Os outros países que tremem com um avanço da Rússia (e as fronteiras em que o Kremlin vê ameaças)

A Rússia partilha 20 mil km de fronteira terrestre com 14 países reconhecidos a nível internacional. Na maior parte dos troços há tensão. E algum grau de ameaça latente. Eis porquê, caso a caso

Os anos da Guerra Fria, e memórias históricas mais antigas ainda, condicionam o relacionamento da Rússia com os vizinhos. A guerra na Ucrânia mostra que caso a expansão para leste de instituições ocidentais como a NATO e a UE não pare, Moscovo arranjará forma de avançar ao seu encontro.

NORUEGA

É membro fundador da NATO (1949), apesar de no início da II Guerra Mundial ter sido neutra. Terminado o conflito, e com o mundo dividido em duas esferas de influência (Guerra Fria), a neutralidade não lhe garantia defesa perante a ameaça comunista. Para não acicatar o vizinho soviético — com quem partilha 200 km de fronteira —, a Noruega nunca aceitou que a NATO instalasse bases militares ou armas nucleares no seu território. A menos de 500 km, a península de Kola é um importante centro militar russo. Hoje, o grande desafio da Noruega é gerir o delicado equilíbrio entre ser um aliado ocidental e sentir-se na mira dessas armas.

FINLÂNDIA

Outrora parte do Império Russo, o grão-ducado da Finlândia conquistou a independência em 1917, após o colapso do Império e a criação da União Soviética (URSS). Durante a II Guerra Mundial, duas batalhas entre finlandeses e soviéticos determinaram o futuro entre ambos. A Finlândia é membro da União Europeia (UE) desde 1995, mas não da NATO. Em 2016, de visita ao país, onde já esteve pelo menos oito vezes, Vladimir Putin disse que a Rússia reagiria a uma possível adesão da Finlândia à NATO. Já no decurso da crise atual, Moscovo repetiu a ameaça à Finlândia e à Suécia.

ESTÓNIA / LETÓNIA / LITUÂNIA

Treze anos após a desintegração da URSS, estas três antigas repúblicas soviéticas aderiram em simultâneo à NATO, em março de 2004, e depois à UE, a 1 de maio desse ano. Uma manifestação visível do desconforto russo em relação à viragem para ocidente dos três bálticos registou-se na Estónia, em 2007. Durante 22 dias, bancos, órgãos de informação e serviços do Governo sofreram ciberataques, numa ação atribuída à Federação Russa. Esta ter-se-á sentido provocada pela decisão das autoridades de Tallinn de transferir o “Soldado de Bronze” do centro da capital para um cemitério militar nos arredores. Para os estónios russófilos, o monumento homenageia a vitória soviética sobre os nazis; para os restantes, simboliza a opressão soviética no país. Houve distúrbios em Tallinn e um cerco à embaixada estónia em Moscovo.

POLÓNIA

Faz fronteira com a Rússia no enclave de Kalininegrado. Tem com Moscovo uma relação de desconfiança que decorre dos acontecimentos do segundo conflito mundial, iniciado precisamente com a invasão alemã da Polónia (1939) seguida, duas semanas depois, pela ofensiva soviética no território. Durante a Guerra Fria, a Polónia foi satélite da URSS. Após conquistar a independência política (1991), aderiu à NATO (1999) e à UE (2004).

BIELORRÚSSIA

Antigo membro da URSS, é o braço-direito da Rússia na guerra na Ucrânia, acentuando um estatuto de vassalagem em relação a Moscovo. A Rússia, que já é o seu principal parceiro político e económico, viu o seu ascendente ser confirmado no referendo de domingo passado, com o qual o regime autoritário renunciou à neutralidade e abriu portas à instalação de armas nucleares russas. “Se vocês [Ocidente] transferem armas nucleares para a Polónia ou Lituânia, para as nossas fronteiras, então vou recorrer a Putin para me devolver as armas nucleares que dei [após o fim da URSS] sem quaisquer condições”, disse “o mais antigo ditador da Europa”, Aleksandr Lukashenko, no poder desde 1994.

UCRÂNIA / DONETSK / LUHANSK

A Ucrânia conquistou a independência sobre os despojos da URSS. Partilha com a Rússia uma história que é objeto de interpretações conflituosas com reflexos na relação bilateral tensa. A guerra atual tem raízes na chamada Revolução da Dignidade, pró-Europa (2014), que resultou na deposição do Presidente pró-russo Viktor Yanukovych, após meses de protestos populares em Kiev. A contestação começou após o Governo ucraniano ter suspendido a assinatura de um Acordo de Associação e Livre Comércio com a UE, em prol de maior proximidade à Rússia e à União Económica Euro-asiática (criada em 2015 pela Rússia, Cazaquistão, Bielorrússia e Arménia). Pouco depois de perder o seu homem-forte em Kiev, a Rússia invadiu e anexou a península da Crimeia. A 21 de fevereiro passado, retalhou mais dois pedaços da Ucrânia, ao reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, encostadas à Rússia.

GEÓRGIA / ABECÁSIA / OSSÉTIA DO SUL

Uma guerra de 12 dias, em agosto de 2008, opondo a ex-república soviética da Geórgia e, do outro lado, a Rússia e separatistas da Ossétia do Sul e da Abecásia, pode ser vista como precursora do que se passa na Ucrânia. As duas regiões são hoje independentes, mas só para a Rússia e mais quatro países. Em Tbilissi, o poder está entregue a Salome Zurabishvili, diplomata nascida em Paris, em 1952, detentora de nacionalidades georgiana e francesa. Apresentou-se como independente às presidenciais de 2018, derrotando Grigol Vashadze, antigo quadro soviético, com cidadania georgiana e russa.

AZERBAIJÃO

Tem aos comandos um Presidente (Ilham Aliyev) que está na alta-roda do poder há quase tanto tempo quanto Putin (2000). A relação entre Rússia e Azerbaijão — que têm 380 km de fronteira — é intermitente, condicionada pela disputa em torno do enclave de Nagorno-Karabakh, entre o Azerbaijão (de maioria muçulmana xiita) e a Arménia (cristã, como a Rússia). Sempre que o conflito se reacende, a Rússia tende a apoiar a Arménia, com quem tem uma aliança militar. Na última escalada, em 2020, isso não foi totalmente claro, fruto de uma degradação da relação bilateral na sequência da Revolução de Veludo (2018), na Arménia. Já no decurso da crise na Ucrânia, Putin afirmou que não permitiria mais “revoluções coloridas” (pró-democracia) na vizinhança da Rússia — como também já aconteceu na Geórgia (“Revolução Rosa”, 2003); na Ucrânia (“Revolução Laranja”, 2004); e no Quirguistão (“Revolução da Tulipa”, 2005).

CAZAQUISTÃO

A amizade entre Moscovo e Nursultan ficou demonstrada já este ano, durante o “Janeiro Sangrento”, como ficou conhecida a repressão aos grandes protestos iniciados após um aumento do preço do gás liquefeito. O Presidente Kassym-Jomart Tokayev declarou o estado de emergência e contou com o apoio de tropas russas, enviadas ao abrigo da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, uma aliança militar regional criada em 1992. Mas esta relação não evolui sem sobressaltos. Em 2013, num contexto de crescente nacionalismo naquela ex-república soviética, Putin disse que “os cazaques nunca tiveram um Estado”. O então Presidente Nursultan Nazarbayev recordou que iriam celebrar o 550º aniversário do Canato Cazaque, ameaçou retirar o país da União Económica Euro-asiática e disse que a independência é “o tesouro mais precioso” do Cazaquistão.

MONGÓLIA

Entalada entre a China e a Rússia, partilha com esta uma longa fronteira de 3500 km e um passado de gratidão. Em 1919, quando a China atacou a Mongólia para abortar a sua independência, declarada na sequência do fim dinastia Qing, os soviéticos saíram em sua defesa. Em 1921, foi estabelecida a República Popular Mongol, sob o radar político da URSS. Após a desintegração desta, a boa relação bilateral sobreviveu à introdução do multipartidarismo, da economia de mercado e à queda de “República Popular” do nome do país.

CHINA

Partilha com a Rússia, além de uma fronteira de 4200 km, o estatuto de potência nuclear e o discurso antiamericano. Putin esteve na China pelo menos 18 vezes, a última das quais a 4 de fevereiro, para a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno e um encontro estratégico com Xi Jinping num momento em que já rufavam tambores da guerra na Ucrânia. A reunião foi interpretada como apoio tácito de Pequim a Moscovo, ainda que a China seja o maior parceiro económico de Rússia e da Ucrânia. Consumada a invasão, a reação da China tem sido cautelosa, tendo-se abstido numa moção condenatória no Conselho de Segurança da ONU. O reconhecimento russo das duas repúblicas separatistas ucranianas é um perigoso precedente para a questão de Taiwan, que resiste à integração na China. Em paralelo, a Ucrânia é crucial para o megaprojeto da Nova Rota da Seda. Para a Rússia, a China pode ser uma escapatória às sanções.

COREIA DO NORTE

Em 22 anos no poder, Putin só foi uma vez à Coreia do Norte. Foi em 2000, quando em Pyongyang mandava Kim Jong-il, pai do líder atual. Em 2019, com os efeitos do programa nuclear norte-coreano ao rubro, Putin e Kim Jong-un realizaram a sua primeira cimeira bilateral, em Vladivostok, no extremo oriente russo. Putin ofereceu a Kim um serviço de chá; Kim foi mais direto na apreciação que fez do russo e deu-lhe uma espada.

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