“Ninguém ganhou.” Macron escreve aos franceses enquanto o seu partido propõe aliança do centro-esquerda à direita
Emmanuel Macron, aqui fotografado após votar nas legislativas, escreveu uma carta aberta aos franceses
MOHAMMED BADRA/AFP/Getty Images
“Embora a extrema-direita tenha ficado à frente na primeira volta, com quase 11 milhões de votos, recusastes claramente que ela acedesse ao Governo”, vincou o Presidente
Emmanuel Macron pede “diálogo sincero e legal” às forças políticas “que se reconhecem nas instituicoes republicanas, no Estado de Direito, no parlamentarismo, na orientação europeia e na defesa da independência francesa”, com o objetivo de “construir uma maioria sólida, necessariamente plural”. O Presidente francês, que não falava desde as eleições de 30 de julho e 7 de julho, exprimiu-se numa carta aos cidadãos, publicada pelo jornal “Le Parisien” esta quarta-feira.
Macron reconhece que a sua proposta isso exige “deixar algum tempo às forças políticas para construírem esses compromissos” antes de indigitar um novo primeiro-ministro. “Ninguém ganhou. Nenhuma força política obteve, sozinha, uma maioria suficiente, e os blocos ou coligações resultantes destas eleições são todos minoritários”, frisa o chefe de Estado.
Vê no veredicto das urnas “um pedido claro de mudança e partilha do poder” e lembra que “só as forças republicanas representam uma maioria absoluta”. Devem, no seu entender, pôr “ideias e programas à frente de cargos e personalidades”, para encontrarem uma fórmula pragmática que “tenha em conta as preocupações” expressas pelos franceses na ida às urnas.
Parecendo excluir a participação do Reagrupamento Nacional (RN, de Marine Le Pen e Jordan Bardella), escreve Macron, dirigindo-se aos cidadãos: “Embora a extrema-direita tenha ficado à frente na primeira volta, com quase 11 milhões de votos, recusastes claramente que ela acedesse ao Governo”. O Presidente elogia a “mobilização” e a “vitalidade” do povo francês.
Alianças para todos os (des)gostos
No mesmo dia, deputados do partido Renascimento (centro liberal), de Macron, defendeu uma “coligação de projeto que vá dos sociais-democratas à direita de Governo”. Fecha a porta, portanto, ao RN e à França Insubmissa (LFI), partido de esquerda radical chefiado por Jean-Luc Mélenchon e que é a força dominante da Nova Frente Popular (NFP), aglomeração que forma o maior bloco parlamentar, que inclui socialistas, ecologistas, comunistas e outros progressistas.
O primeiro-ministro conservador Jacques Chirac e o Presidente socialista François Mitterrand assistem a um jogo de futebol em 1982
Outra fação dos macronistas preferia que a futura coligação governamental não incluísse a esquerda, voltando-se apenas para os Republicanos (direita tradicional). O novo líder parlamentar deste partido, Laurent Waquiez, assegura, porém, que a direita tradicional “não participará em coligações governamentais”. Os Republicanos têm 39 dos 577 deputados, pelo que nem somados aos 159 do Renascimento serviriam para alcançar a maioria absoluta (289).
A NFP tem 180 lugares e a extrema-direita 142, cifra que compreende uma parte dos Republicanos que resolveu aliar-se a Le Pen. Há ainda umas dezenas de parlamentares de forças menores, quer de esquerda quer de direita, e ainda regionalistas.
Attal continua a ser o preferido
Um entendimento entre a esquerda (excluindo a LFI), os adeptos do Presidente e a direita tradicional seria preferida dos franceses, segundo sondagem divulgada pelo jornal conservador “Le Figaro”. Nela, 39% defendem esta saída para a crise política; 34% preferem uma aliança entre macronistas e direita democrática; 30% decantam-se por uma coligação só de esquerda que inclua a LFI; 25% preferem toda a esquerda aliada ao centro presidencial, sem direita; e 24% querem toda a esquerda, centro e direita, deixando apenas de fora o RN.
Acresce que metade dos inquiridos penas que caso a NFP apresente um candidato a primeiro-ministro acordado entre as formações que a compõem, Macron deve indigitá-lo. Quanto a nomes, a lista de preferências é encabeçada pelo atual ocupante do cargo e demissionário Gabriel Attal (38%), seguido de Bardella (35%), Raphaël Glucksmann (centro-esquerda, 31%), François Ruffin (esquerda, 26%), Olivier Faure (socialista 24%) e François Bayrou (centro, 24%).
À esquerda, Mélenchon — que parece descartado como futuro primeiro-ministro — tenta assegurar os mercados de que não será problemático a esquerda ir para o Governo. A NFP, assegurou o seu chefe numa visita ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, não tem “qualquer interesse em entrar em choque frontal” com as instituições comunitárias no tocante às regras orçamentais. Pretende equilibrar as despesas que prometeu com mais receita. Impostos sobre grandes fortunas ou alterações ao regime de ajuda às empresas poderão estar na calha.
A Comissão Europeia abriu, em junho, um processo disciplinar contra França por ter registado um défice superior a 3% do produto interno bruto (PIB). Já a agência de notação Standard & Poor’s avisa que a ausência de maioria clara pode dificultar a ação do futuro Executivo.
Também na NFP, a deputada ecologista Sandrine Rousseau defende que um Governo da esquerda não deveria recorrer, como os Executivos fiéis a Macron, ao artigo 49.3 da Constituição para fazer passar leis sem as sujeitar a votações no Parlamento. “Será difícil e fastidioso, mas podemos conseguir”, defende, enumerando a eutanásia, a polícia de proximidade, políticas para idosos e famílias monoparentais ou reformas da saúde como assuntos em que acredita ser possível formar maiorias no Parlamento, caso a caso. Contraria assim Mélenchon, que admitia usar aquele dispositivo para revogar medidas como o aumento da idade da reforma para os 64 anos, decretada por decisão de Macron na última legislatura.