Quando passa mais um ano sobre a data fatídica, republicamos a reportagem realizada em 2021, por ocasião dos 20 anos do atentado terrorista que marcou os Estados Unidos e o mundo. Nova Iorque e os americanos viveram, entretanto, outros traumas que tentam incorporar na sua história
Maria Paulino ajeita umas flores roxas, murmura uma oração e benze-se. Repetiu tal gesto muitas vezes nos últimos 20 anos, conta ao Expresso. “Vir cá ajuda-me um pouco. Vemos que não estamos sós.” Por “cá” entenda-se o memorial do 11 de Setembro em Nova Iorque. Maria fixa os caules das flores na bordadura da fonte que marca o local onde se erguia a Torre Sul do World Trade Center, uma por cada letra do nome da filha. Rachel Tamares tinha 30 anos e trabalhava na seguradora Aon, cujos escritórios ficavam nos andares 98 a 105 do edifício, bem acima de onde o voo 175 da United Airlines o atingiu. “Nenhuma hipótese de sobreviver”, frisa a mãe enlutada, que faz a viagem até este local silencioso da ponta sul de Manhattan vinda do Bronx, bairro pobre onde em tempos Rachel a acolhera temporariamente, e à irmã Jen (tinham sido despejadas), na casa de duas divisões que partilhava com o marido e os dois filhos. Estes ficaram órfãos de mãe com 11 e 6 anos.
A condoída Maria é das raras pessoas que aceitam falar e, ainda assim, pouco. Sabe que há ali outros como ela, não apenas turistas, curiosos e gente que tira selfies de gosto duvidoso. Não é difícil identificá-los. Eis o rapaz que tira fotos a um do perímetro da fonte, enquanto soluça. O militar que pousa a mão, demorado e sóbrio, sobre o nome de um camarada caído em serviço. A noiva que vem de ramo na mão, com parentes, entre sorrisos e lágrimas. O homem que ajeita a bandeira dos Estados Unidos entre letras que recordam outra vítima. Cada um dos 2977 mortos do 11 de Setembro — entre as Torres Gémeas, o Pentágono e o voo cujos passageiros o fizeram despenhar na Pensilvânia, julga-se que destinado ao Capitólio ou à Casa Branca — é, mais do que isso, uma história de vida e um enorme vazio.
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