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Eleições no Brasil

Um Carnaval em Outubro

Um Carnaval em Outubro

“Sem medo de ser feliz” foi o jingle de campanha que Lula da Silva fez renascer da primeira campanha presidencial, 1989, para 2022. Na noite em que foi eleito vi muitos que estavam com medo chorarem, saírem para a rua e serem felizes

Ricardo Oliveira Duarte, em Salvador da Bahia

Uma mulher de vestido branco, mais velha, agachada aos pés de outra, mais nova, de azul, no que me pareceu ser mãe e filha. Um casal de duas mulheres abraçadas. Um casal de dois homens abraçados. Uma mulher, uns 70 anos, a sorrir, mas ao mesmo tempo com as lágrimas a escorrerem-lhe cara abaixo. Nos segundos que se seguiram ao anúncio que saiu gritado do topo de um mini-trio elétrico em pleno Rio Vermelho olhei à minha volta e vi, sobretudo, essas pessoas. Todas choravam.

“Acabou, Lula da Silva é o presidente do Brasil!” gritou o homem do trio.

Entre muitos aplausos, gritos e foguetes também vi duas das três pessoas com quem estava abraçarem-se e chorarem. Antes, durante a tarde, elas já me tinham contado que há quatro anos tinham chorado. Mas foram outras lágrimas. “De desespero. E agora?!”, partilhou uma dessas pessoas, ao voltar atrás no tempo e recordar o dia em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente. Ela que é negra e, por isso, temia o racismo.

A partilha aconteceu em casa de um outro amigo, local combinado para assistirmos juntos à contagem dos votos, pois eles não queriam estar na rua, primeiro pela ansiedade e depois porque tinham medo do que os apoiantes de Bolsonaro pudessem fazer, em caso de derrota ou vitória. “Há quatro anos, aqui na Graça, depois da vitória, um grupo de bolsonaristas andou a gritar na rua que ia atrás dos gays todos e que eles iam deixar de poder viver aqui”, contou o anfitrião. E depois há a questão das armas, a política armamentista promovida nos últimos anos no Brasil, que coloca qualquer receio noutro patamar.

Voltando ao Rio Vermelho. Os casais homossexuais viveram nos últimos quatro anos no Brasil inúmeros momentos de insegurança e preconceito, os negros de racismo, as mulheres de misoginia, os praticantes de outras religiões que não a cristã de intolerância, os transexuais de perseguição... Não será preciso um exercício de empatia muito complexo para entender que tantas daquelas lágrimas que caíram eram de felicidade, de alívio.

A vitória na Bahia não foi apenas de Lula, Jerónimo Rodrigues, também do PT, foi eleito governador do estado. Há poucos meses poucos o conheciam e as sondagens davam a eleição como favas contadas para o adversário do União Brasil, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto. Mas ele contrariou as previsões e venceu. Juntou-se à festa do Rio Vermelho montado num potente e gigante trio elétrico, ou não estivéssemos na Bahia, a terra do Carnaval de rua, puxado a trios. Umas 30 mil pessoas devem ter saltado ao som do artista baiano Jau e as suas “Flores da Favela”. Gritaram e saltaram ainda mais com “Sem medo de ser feliz” e o seu refrão “Lula lá” foi cantado dezenas (centenas de vezes!). As lágrimas que saíram do misto de alívio e alegria não mais foram vistas nas ruas do Rio Vermelho. Só sorrisos.

Num país onde tanto se fala de armas, armados apenas de sorrisos e autocolantes com o número 13, aqueles milhares de pessoas fizeram uma festa incrível. Se não tiver outro mérito, a julgar pelo Carnaval fora de época deste domingo em Salvador da Bahia, Lula da Silva já terá feito algo muito importante para muita gente: as pessoas voltaram a deixar de ter medo de serem felizes.

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