Na China, o patriotismo vai passar a ser lei: quem contribuir para a “construção de uma nação forte” será recompensado
TINGSHU WANG / REUTERS
Escolas, pais, empresas e igrejas na China vão passar a ter obrigatoriedade de se envolverem na educação patriótica que o país quer implementar - tanto dentro de portas como no exterior. A nova lei, aprovada na terça-feira, entra em vigor a partir de 2024. A legislação define que a educação patriótica “defende a liderança” do Partido Comunista chinês e ensina a filosofia de Xi Jinping, como pode ler-se numa tradução não oficial do documento que foi aprovado pelos deputados
O apelo ao patriotismo é uma presença assídua em discursos políticos na China. No último Congresso do Partido Comunista da China (PCC), o Presidente Xi Jinping mencionou também a aposta no “compromisso com o patriotismo” e a promoção de uma nova geração que assegure o “rejuvenescimento nacional”. O ‘pensamento de Xi Jinping’ faz parte do currículo escolar desde o ensino primário ao universitário. Há propaganda com a imagem do Presidente e frases do Partido Comunista pelas ruas de Pequim, segundo o relato de um jornalista do jornal “The New York Times”. E fora da China Continental as mudanças também foram surgindo: no início do ano as autoridades de Hong Kong tornaram obrigatório que as televisões e rádios da região emitissem pelo menos 30 minutos de conteúdo patriótico por semana.
Em 2024, o patriotismo deixa oficialmente de ser opcional. O Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou na terça-feira a Lei da Educação Patriótica, noticiou a agência estatal chinesa Xinhua. A partir do próximo ano todo o espaço civil passa a ter de seguir as novas orientações, que se aplicam não apenas na China Continental mas também em Macau, Hong Kong, Taiwan e aos cidadãos chineses a viver no exterior.
Segundo a Reuters, os meios estatais descreveram que o objetivo da legislação é responder a desafios como o “niilismo histórico” – expressão usada para descrever ceticismo das descrições do Partido Comunista da China sobre eventos do passado – e salvaguardar a “unidade nacional”.
“Estes esforços revelam as inseguranças de Xi [Jinping] sobre o crescimento da China e as suas ansiedades sobre o futuro da popularidade do partido”, disse Kathy Huang em declarações à ‘Deutsche Welle’. A especialista do think-tank ‘Council on Foreign Relations’ considera que a legislação foi proposta devido ao ambiente doméstico na China. A legislação define que a educação patriótica “defende a liderança” do Partido Comunista chinês e ensina a filosofia de Xi Jinping, pode ler-se numa tradução não oficial do documento que foi aprovado pelos deputados.
A quem se dirige a lei?
Para além da China Continental, onde a legislação foi aprovada, o objetivo é que a lei seja aplicada em Hong Kong e Macau, cidades que estão sob administração chinesa. Além disso, as regras preveem a promoção da lei junto dos cidadãos de Taiwan, com um teor de oposição ao movimento de independência da região, e visam promover a sua comunicação com a comunidade chinesa no estrangeiro.
Trata-se de legislação abrangente, que contempla tanto entidades como famílias. Aqui ficam alguns dos exemplos.
Escolas: todos os níveis e tipos de escolas devem passar a incluir educação patriótica no percurso educativo, com a sua inclusão em todas as disciplinas e através de cursos de ideologia e teoria política.
Forças de segurança vigiam a Praça Tiananmen durante o Dia Nacional da China, em outubro passado
Famílias: os pais ou outros encarregados de educação de menores de idade “devem incluir o amor pela mãe pátria na educação familiar”, a par de cooperarem com atividades escolares e sociais ligadas à educação patriótica.
Empresas e instituições públicas: prevê-se que incluam planos de educação patriótica, a par de atividades como gestão de negócios, formações, cultura e desporto.
Grupos religiosos: instituições, grupos e locais de atividades religiosas são também mencionados, para promoverem “sentido de nação, cidadania e Estado de Direito” e também para a religião se “adaptar à sociedade socialista”.
Meios de comunicação: prevê-se que rádios, televisões e jornais incluam conteúdos associados a “histórias patrióticas”.
Internet: o espaço digital também é contemplado na lei, no sentido de os fornecedores de serviços “fortalecerem a construção de conteúdo educativo patriótico online”.
Recompensas e punições
A lei descreve que o Estado pode recompensar quem tiver contribuído para a “construção de uma nação forte”, embora não sejam dados detalhes sobre o tipo de benefício associado a cada comportamento. Também não é clara a punição para quem infringir as condutas indicadas, apesar de se saber que podem ser sanções administrativas ou de responsabilização criminal.
É descrito que as pessoas não podem “insultar” símbolos nacionais, “ocupar ou destruir” instalações de educação patriótica, ou “distorcer, difamar, profanar ou negar os feitos e o espírito de heróis e mártires”. A lista abrange também a “defesa” ou “glorificação” de atos de agressão, invasão e massacres.
Recorde-se, por exemplo, que as referências ao massacre de Tiananmen, que ocorreu a 4 de junho de 1989, já são sujeitas a censura na China Continental e que as vigílias em memória das vítimas, que ocorriam anualmente em Macau e Hong Kong foram entretanto proibidas.