Raïssi morreu, “vice” Mokhber assume a Presidência: o que vem a seguir no regime do Irão?
Mohammad Mokhber
WANA NEWS AGENCY
O Irão vai ter eleições no prazo de 50 dias. Mais do que provável candidato e mais do que provável vencedor, Mohammad Mokhber não só deve suceder ao malogrado Ebrahim Raïssi na presidência como já é ele, a partir de agora, o favorito ao lugar de Líder Supremo que o ayatollah Ali Khamenei ocupa desde 1989
Ainda a morte de Ebrahim Raïssi, Presidente iraniano, não tinha sido confirmada oficialmente e já o ayatollah Ali Khamenei, Líder Supremo do Irão, fazia o Governo vir garantir que a vida continuaria como habitualmente, mais concretamente disse que “não haverá a mais pequena perturbação na administração do país”.
Presidente morto, Presidente posto: segundo a Constituição do Irão, é o vice-Presidente, logo após o consentimento do ayatollah, quem tem de assumir, interinamente, a presidência.
Neste caso, assume Mohammad Mokhber, de 68 anos, no cargo também desde 2021, que embora menos “público” que Raïssi é talvez ainda mais homem de regime e “preferido” na sucessão de Khamenei.
Filho de um clérigo, formado em Direto e com um percurso inicialmente feito na banca, Mokhber liderou a poderosa organização Execução da Ordem do Imã Khomeini (EIKO, na sigla em inglês, o fundo patrimonial que cuida dos bens da República Islâmica), é antigo oficial do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica e, talvez o que maior orgulho lhe traga e elogios granjeie no regime, é alvo de sanções pelos Estados Unidos.
Linha dura não cessa
Certo é que foi já Mohammad Mokhber a liderar a reunião de emergência marcada pelo Governo do Irão logo após confirmado o acidente e morte do anterior Presidente.
E certo é igualmente que o Irão vai a eleições brevemente — como vai de quatro em quatro anos. Segundo a Constituição iraniana, e logo após a morte do Presidente, o “vice” (juntamente com o Parlamento) tem de agendar (e realizar) eleições no prazo de 50 dias.
Sem surpresa, Mokhber deve assumir-se como candidato e, com menor surpresa ainda, vencer nas urnas — ainda que se desconheça a sua popularidade e, sobretudo, que este regime não seja afeto de sucessões “herdadas" na linha da monarquia que derrubou em 1979.
Quanto à liderança (e política) de Mokhber, não deverá recuar na direção que Ebrahim Raïssi já levava: mão-de-ferro e repressão interna, estreitar de laços no Médio Oriente, sobretudo com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, e manter como “inimigos” os Estados Unidos e, sobretudo, Israel.
O ayatollah Ali Khamenei é o Líder Supremo do Irão
Foto Abedin Taherkenareh/EPA
Quem é Mokhber, um homem do regime que fez fortuna com ele?
Graças a um regime teocrático tão cerrado sobre si mesmo e em torno do ayatollah Ali Khamenei, o nome de Mohammad Mokhber é praticamente um desconhecido no Ocidente. Com 68 anos, a morte do seu “chefe” empurra-o para uma das posições de maior protagonismo em todo o Médio Oriente e torna-o no segundo homem mais poderoso da hierarquia do Irão.
Nascido a 1 de setembro de 1955, na localidade de Dezful, no sudoeste do Irão, o percurso do Presidente (por enquanto) interino é semelhante ao de muitas autoridades no sistema religioso e ultraconservador. Nascido numa família de clérigos, Mohammad Mokhber passou pelo corpo médico da Guarda Revolucionária do Irão, durante a guerra contra o Iraque (1980-1988).
Como muitas autoridades iranianas, incluindo o Presidente morto, Mokhber está também na lista de sancionados pelos Estados Unidos e pela União Europeia que, segundo a Associated Press, acusou o então vice-Presidente de estar ligado ao programa nuclear do Irão.
O (agora) Presidente interino passou por vários cargos no regime, mas o seu currículo e fortuna pessoal têm ambos origem na gestão da estrutura de “bonyads” — que são uma espécie de instituições de solidariedade religiosa, responsáveis por 20% do PIB do Irão. Estes fundos são muito financiados, não só por doações privadas, mas também por bens arrestados ao antigo xá, durante a Revolução Islâmica de 1979.
Mokhber era responsável por supervisionar a organização dos bens do antigo líder supremo do Irão, o ayatollah Ruhollah Khomeini, um “bonyad” denominado EIKO, e é deste trabalho que provem uma boa parte da sua fortuna pessoal.
A organização não-governamental Unidos Contra o Irão Nuclear (UANI, na sigla em inglês) considera que “gerir a rede de mecenato fê-lo ficar bem visto pelo líder supremo”.
O Departamento do Tesouro dos EUA explicou, citado pela Associated Press, que o portfólio da organização gerida por Mokhber, e monitorizada por Ali Khomeini, inclui milhares de milhões de dólares e “tem uma parte em quase todos os setores da economia iraniana", incluindo na energia, telecomunicações e serviços financeiros.
Durante a pandemia de covid-19, Mokhber prometeu que a EIKO iria investir na criação de uma vacina contra a doença e que seriam distribuídas milhões de doses. No entanto, o Irão acabou por ter a maioria das suas vacinas através do programa internacional Covax e poucos receberam a vacina produzida localmente.
“A EIKO violou sistematicamente os direitos dos dissidentes ao confiscar terra e propriedade de opositores do regime, incluindo opositores políticos,minorias religiosas e iranianos exilados”, acusou o Governo norte-americano, quando sancionou Mokhber, em 2021, afirmando que o sistema de “bonyads” é dominado por práticas de corrupção e por uma monopolização de setores industriais.
Órgãos locais no país dão também conta que o Presidente interino tem um doutoramento em lei internacional e é considerado importante para o Governo para contornar as sanções que restringem a sua indústria petrolífera.
Mokhber é ainda, desde 2022, membro do Conselho de Discernimento, um órgão que aconselha o líder supremo e que resolve divergências entre o Parlamento e o Conselho de Guardiões, cuja importância se centra na monitorização de todas as eleições e candidatos.
Voltemos ao início. Khamenei fez o Governo garantir que nada vai mudar no Irão porque, e desde a Revolução Iraniana de 1979 — quando caiu uma monarquia autocrática e emergiria uma república islâmica teocrática e totalitária enquanto regime —, é o ayatollah (antes de Ali Khamenei liderava, até à sua morte, em 1989, Ruhollah Khomeini) o chefe de Estado e comandante-em-chefe da nação, cabendo à figura do Presidente o controlo do Governo e a política estatal e da economia — ainda que sempre com o beneplácito de Khamenei.
Se ao ayatollah tudo cabe e o ayatollah tudo pode, abaixo há, a par do Presidente, outra autoridade importante no regime iraniano saído da Revolução de 1979: o Conselho dos Guardiães. Cabe a este conselho, composto por 12 juristas — metade deles clérigos e, portanto, garantindo a primazia da religião nas decisões —, pronunciar-se sobre a constitucionalidade (sempre passo a passo com a Sharia, o Direto islâmico) das políticas. Mais: cabe também ao Conselho dos Guardiães aprovar os candidatos a Presidente, deputados e Assembleia dos Peritos — que nomeia o Líder Supremo.
Porém, Ebrahim Raïssi, morto na queda de um helicóptero no noroeste do país, domingo, quando regressava da inauguração de uma barragem na fronteira com o Azerbaijão, não era, contudo, uma figura secundária no regime do Irão.
Apresentado, quando confirmada a sua morte, como um “trabalhador e incansável”, alguém que terá "sacrificado a sua vida pela nação”, Raïssi, de 63 anos, era tido como um mais do que provável sucessor de Khamenei, de 85.
Clérigo religioso de linha dura, Ebrahim Raïssi venceu as eleições presidenciais iranianas em 2021, um sufrágio que registou a menor participação na história da República Islâmica.
O mandato presidencial de Raïssi ficou marcado, nestes quase três anos, por intensa e violenta repressão contra ativistas, críticos do regime e, também, mulheres. Este posicionamento autoritário de Ebrahim Raïssi colocava-o, pois, como “número um” na sucessão a Khamenei — importa referir que somente homens, e somente teólogos xiitas de alto escalão, podem estar no lugar de Líder Supremo.