Internacional

A antiga, nobre e complexa arte da dissuasão ou de como é perigoso dançar à beira do abismo

O Irão lançou no sábado, dia 15, um ataque contra Israel com recurso a mais de 200 ‘drones’, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos, a grande maioria intercetados, segundo o Exército israelita
O Irão lançou no sábado, dia 15, um ataque contra Israel com recurso a mais de 200 ‘drones’, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos, a grande maioria intercetados, segundo o Exército israelita
Anadolu

Israel ataca um consulado iraniano na Síria. Teerão responde com uma vaga de mísseis e drones. O jogo da dissuasão fica por aqui ou vai incendiar o Médio Oriente?

Em 1807 Portugal teve que escolher entre um ataque terrestre da França napoleónica e o bloqueio naval britânico aos portos do Brasil. Nem se livrou das invasões francesas (três, entre 1807 e 1810) nem, em última análise, conseguiu segurar o Brasil. Era óbvio que o país não tinha força militar credível que desse substância a eventuais manobras diplomáticas. Em 1940, depois de ter ocupado Noruega, Países Baixos ou França, Hitler decidiu não invadir a Suíça: era claro que os helvéticos tinham meios para resistir e venderiam caro cada centímetro quadrado do solo pátrio.

Dissuasão é a palavra-chave para entender os recentes acontecimentos no Médio Oriente. Até à noite de sábado 13 de Abril, ninguém parecia querer uma guerra aberta: nem o Irão, nem o Hezbollah libanês ou os houthis do Iémen; muito menos os Estados Unidos. Restava Israel, emitindo sinais contraditórios, ora retirando um corpo de tropas do centro de Gaza, ora acenando com um ataque em larga escala a Raffah, no sul de Gaza, onde está refugiado milhão e meio de pessoas.

Serviços mínimos no sul do Líbano

Ao longo de cinco meses, Israel e Irão combateram sempre por interpostas pessoas. Na fronteira sul do Líbano havia duelos quase quotidianos de artilharia entre a tropa israelita e milicianos do Hezbollah libanês, com um lado e outro a aterem-se a um programa de serviços mínimos, ninguém querendo assumir o ónus de uma eventual escalada. Idem no Mar Vermelho, com a guerrilha houthi a condicionar (e frequentemente atacar) navios mercantes considerados próximos de Israel, protegidos por aviões e navios americanos, britânicos e franceses.

Como escreveu o editorialista do diário francês “Le Monde” Alan Frachon “é o género de situação mantida sob controlo até ao dia em que deixe de o estar”. E isso aconteceu dia 1 de Abril, quando aviões israelitas alvejaram o consulado iraniano em Damasco, matando 16 pessoas, entre as quais o general Mohammad Reza Zahedi e três dos seus adjuntos da guarda revolucionária de Teerão. Independentemente de se tratar de uma execução extra judicial e representar violação de soberania dum estado vizinho, os militares iranianos alvejados não estavam a dar instrução a milicianos, muito menos a combater ou a deslocar-se num veículo blindado e armado. Estavam no interior de uma representação diplomática, tendencialmente território iraniano, logo sob proteção das leis internacionais. Estivessem eles a congeminar, ou não, as piores tropelias do mundo…

Israel, que tem um dos melhores serviços secretos – a todo-poderosa Mossad – sabia que estava a encostar o inimigo iraniano à parede: ou se ficava com o golpe e desprestigiava externamente, sobretudo entre as milícias e forças políticas suas apoiantes, ou retaliava. Mas, ao fazê-lo, corria o risco de desencadear uma escalada, capaz de incendiar todo o Médio Oriente.

Crónica de uma retaliação anunciada

A teocracia iraniana escolheu a via da resposta armada, atacando ao fim da tarde de sábado (hora de Lisboa) com uma vaga de drones, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos contra território israelita. Uma exibição de força, mas um ato de dissuasão cuidadosamente calibrado. A ponta de lança do ataque foi uma vaga de 170 drones do tipo Sahed (quotidianamente usados pela Rússia contra a Ucrânia): lentos (160 km/h), com pouca carga útil (40 kg de explosivo) e sem capacidade de realizar manobras evasivas. Teriam feito um massacre de civis caso tivessem sido dirigidos contra áreas densamente urbanizadas, mas não só não o foram, como a defesa israelita auxiliada por americanos, britânicos, franceses e jordanos abateu praticamente todas estas aeronaves sem piloto. Houve, ainda, 30 mísseis de cruzeiro mais difíceis de intercetar e capazes de manobras evasivas e uma centena de mísseis balísticos com os quais só sistemas mais sofisticados como os Patriot de fabrico americano conseguem em parte lidar. Estes últimos terão sido maioritariamente dirigidos contra a base aérea do deserto do Neguev donde terão partido os aviões que atacaram território sírio.

As lições da Crise dos Mísseis

Se o objetivo iraniano era por a nu eventuais vulnerabilidades da Cúpula de Ferro israelita, causando um mínimo de vítimas (uma criança israelita gravemente ferida) isso foi conseguido, tanto mais que a ajuda dos aliados ocidentais perante um enxame de atacantes capaz de saturar radares e computadores terá sido importante. Perante isto, a bola está agora do lado israelita: vai retaliar, correndo o risco de incendiar o Médio Oriente? Ou esperar melhores dias, conforme sugere o seu aliado principal, os EUA?

Se dependesse do primeiro-ministro Netanyahu e dos seus ministros mais extremistas, a resposta seria óbvia mas, até por o ataque iraniano não ter tido consequências, a diplomacia tem uma palavra a dizer. Em 1962, durante a crise dos mísseis de Cuba, o presidente Kennedy mediu cuidadosamente todos os seus passos: rejeitou pressões da hierarquia militar para bombardear Cuba em resposta ao abate de um avião espião U2 e da morte do major Rudolf Anderson que o pilotava; não entrou em confronto direto com os soviéticos, limitando-se a ordenar um bloqueio naval a Cuba; e paralelamente conduziu contactos secretos com o líder soviético Kruschev.

Israel precisaria de um Kennedy e, já agora, os palestinianos, de um Mandela…

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