Meio ano volvido desde o início da guerra entre Israel e o Hamas em Gaza revelou que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, foi "moralmente forte, mas politicamente fraco". A avaliação é feita pelo analista do International Crisis Group (ICG) Richard Gowan, que afirma que a atitude de António Guterres não só prejudicou a sua relação com Israel como também “irritou” a administração norte-americana de Joe Biden.
Em entrevista à Lusa, o especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz, refere que apesar da reputação de ser um secretário-geral extremamente cauteloso, Guterres tem sido "muito ousado" nas suas declarações sobre a guerra em Gaza. "Guterres tem sido invulgarmente franco nas suas críticas às ações israelitas e apelos a um cessar-fogo. (...) Isto não só prejudicou as suas relações com Israel, mas também irritou a administração de Joe Biden", advogou Gowan.
As autoridades norte-americanas estão "muito frustradas" com as declarações do ex-primeiro-ministro português, mas, reconhece, que Guterres “sente que tem a obrigação moral de adotar uma posição forte em questões humanitárias".
Contudo, esses apelos não só foram amplamente ignorados pelas partes em conflito, como valeram duras críticas a Guterres e à própria ONU pelos israelitas, que acusam o ex-primeiro-ministro português e a organização multilateral de "parcialidade". Aliás, Israel chegou já a pedir a demissão “imediata” do líder da ONU depois de Guterres abrir uma reunião do Conselho de Segurança, a 24 de outubro, afirmando que os ataques do Hamas "não aconteceram do nada" e que o povo palestiniano "foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante".
Mesmo moralmente forte durante os seis meses que já tem o conflito, Richard Gowan frisou que "Israel não confia em Guterres e os EUA não querem que a ONU complique os seus próprios esforços diplomáticos”, aliás, “Guterres nem sequer visitou Israel durante a guerra, nem falou por telefone com Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro israelita]".
O perito é taxativo: "Isto é frustrante para Guterres, embora eu não tenha a certeza de que algum secretário-geral teria tido mais acesso aos israelitas. Netanyahu desconfia fundamentalmente da ONU como um todo." Após os ataques de 7 de outubro, Israel tomou claramente a decisão de "ignorar toda e qualquer crítica da ONU. Simplesmente rejeitam todas as críticas sob o argumento de parcialidade da ONU.
Em última análise, enquanto Israel tiver a proteção dos EUA no Conselho de Segurança, não se importará realmente", explicou. Até porque, a condenação de Israel por muitos países nos fóruns da ONU não se traduziu em medidas reais para penalizar os israelitas, como o corte de relações diplomáticas bilaterais. "Isto faz com que os seus posicionamentos na ONU pareçam menos significativos ou talvez estejam a usar as suas declarações na ONU como um álibi para evitar qualquer ação real", argumentou.
Richard Gowan diz que o Conselho de Segurança da ONU "perdeu ainda mais credibilidade" no decurso do conflito em Gaza, mas acredita que caberá às Nações Unidas "limpar a confusão" no pós-guerra.
Prestes a completar seis meses, a guerra na Faixa de Gaza foi iniciada com um ataque sem precedentes do Hamas contra Israel a 7 de outubro. Morreram 1.163 pessoas, na maioria civis, e 250 foram feitas reféns, 130 ainda em cativeiro e 34 entretanto mortas, segundo o balanço mais recente das autoridades israelitas. A guerra provocou até agora mais de 33 mil mortos e quase dois milhões de deslocados. O enclave palestiniano vive uma grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica” e com vítimas que somam “o número mais elevado alguma vez registado” pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
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