
Um sonho feito livro que foi do terreno da fantasia até à discussão sobre a nova astronomia
Um sonho feito livro que foi do terreno da fantasia até à discussão sobre a nova astronomia
Economista, Professor Catedrático
O livro de Johannes Kepler, “Somnium, seu Opus Posthumum de Astronomia Lunari”, ou o “Sonho, Obra Póstuma Sobre a Astronomia Lunar”, publicado em 1634, tem sido apontado como a primeira obra de ficção científica na literatura ocidental, ou mesmo mundial. Não será a primeira e é mais do que uma ficção. De facto, o livro é uma autobiografia romantizada, suficientemente próxima da história do autor para descrever alguns dos tormentos da sua vida, mas é simultaneamente um registo da reflexão científica que mudaria a astronomia e, com ela, estabeleceria a visão do mundo que predominou na modernidade a partir do século XVII.
Kepler, que com Galileu impulsionou a revolução astronómica e prosseguiu a teoria de Copérnico sobre o movimento dos corpos celestiais, destroçou a tradição anterior com a afirmação da nova ciência. É certo que pensava usar este livro para acumular algum pecúlio numa venda que esperava que viesse a ser bem sucedida, procedendo ainda a alguns ajustes de contas pessoais, como se vai ver. Mas, antes de mais, queria confrontar os seus leitores a imaginarem como se veria de longe a lua da Lua, a Terra, para se aperceberem dos seus dois movimentos, o que já era reconhecido (a Terra a girar sobre si própria) e o que era negado (a Terra a deslocar-se no firmamento) pela astronomia académica. O “Sonho” foi portanto um convite à invenção de um imaginário como modo de argumentação científica, e foi um livro tão importante que levou uma vida a escrever e a anotar. É um texto espantoso: eis um cientista a escrever ficção e a usá-la para insinuar uma tese científica, com inúmeras histórias à mistura, mesmo uma acusação pouco condescendente sobre a sua própria mãe.
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