O braço de ferro entre a Rússia e as sanções: até que ponto é que as medidas ocidentais funcionam?
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MAXIM SHIPENKOV
A Rússia anexou ilegalmente a Crimeia e anos depois invadiu a Ucrânia. Em resposta a estas ações, o Ocidente lançou sucessivas rondas de sanções. Se no geral as sanções nem sempre têm resultado, no caso da Rússia o professor Maxim Sytch defende que “têm sido eficazes”. Qual foi o impacto?
Desde o século passado, são vários os exemplos de regimes, entidades e personalidades contra os quais se adotaram sanções. Algumas foram implementadas por decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, outras foram adotadas de forma autónoma por países ou grupos de Estados. Se alguns dos casos já tiveram desfecho, outros permanecem em aberto. Um dos exemplos mais conhecidos da atualidade é a Rússia, a quem o Ocidente impôs medidas restritivas no seguimento da anexação ilegal da Crimeia em 2014, e que foram agravadas após a invasão da Ucrânia.
Maxim Sytch, professor de Gestão e Organizações na Universidade do Michigan, descreve que as sanções por norma são usadas para assegurar vantagens económicas, políticas ou militares para o país que as impõe, salvaguardar os seus constituintes ou levar a mudanças no comportamento de outras nações. “Por exemplo, a comunidade internacional impôs sanções contra a Rússia em resposta à agressão não provocada contra a Ucrânia. Estas sanções têm o objetivo de enfraquecer a economia russa e inspirar os seus cidadãos a revoltarem-se contra o regime de Putin”, disse Sytch em resposta escrita ao Expresso.
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Tanto os Estados Unidos como os seus aliados impuseram sanções à Rússia. O primeiro passo da União Europeia (UE) foi dado a 17 de março de 2014, com proibições de viagens e congelamento de bens de 21 pessoas que se considerava serem responsáveis por ações que ameaçavam a integridade territorial da Ucrânia. O Conselho Europeu descreve que a UE impôs sanções “enormes” e “sem precedentes”.Atualmente, as sanções estendem-se a quase 1800 indivíduos e entidades, entre os quais o próprio Presidente da Rússia, Vladimir Putin, bancos e entidades paramilitares. Foi ainda definida uma proibição de importação de petróleo e carvão da Rússia, o espaço aéreo europeu foi fechado a aeronaves russas e suspensas licenças de transmissão de meios de comunicação apoiados pelo Kremlin e usados para difundir desinformação.
Nem todas as sanções têm o resultado esperado e as taxas de sucesso variam. Um estudo de 2013 citado pelo Departamento de Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz da ONU, aponta que as sanções mais específicas (por exemplo, proibições de viagens) mostram eficiência em coagir uma mudança comportamental em apenas 10% dos casos. As situações de maior sucesso passaram por restringir comportamentos negativos (28% dos casos) e sinalização de apoio a normas internacionais (27% dos casos).
Já um estudo mais recente, publicado em 2021, de investigadores da Universidade de Drexel, intitulado “The Global Sanctions Data Base: An Update that Includes the Years of the Trump Presidency”, apresenta resultados mais positivos. Baseia-se num banco de dados com 1101 sanções aplicadas entre 1950 e 2019, e aponta que 42% foram classificadas como tendo “sucesso total” e 16% como “sucesso parcial”. Quando incluídos os casos em que as sanções ainda estão em vigor, a taxa passa para 30% das situações a apresentarem pelo menos sucesso parcial. A investigação concluiu que no período em análise houve cada vez mais sanções a serem classificadas como tendo sucesso parcial ou total. “Uma possível interpretação desta observação é que ao longo do tempo as sanções se tornaram mais eficientes em atingir os seus objetivos”, escreveram os autores.
Capacidade económica russa de sustentar uma guerra "foi significativamente reduzida”
Maxim Sytch defende que as sanções contra a Rússia “têm sido eficazes”. “Se olharmos para 10 anos atrás, quando a Rússia ocupou a Crimeia e acompanharmos o impacto das sanções, é claro que a economia russa encolheu aproximadamente 24% em termos de PIB – uma redução de quase um quarto”, comentou, comparando que no mesmo período as economias do Reino Unido, da Alemanha e dos Estados Unidos cresceram, respetivamente, 16%, 17% e 27%. “Consequentemente, a capacidade da economia russa sustentar uma guerra de grande escala foi significativamente reduzida”, analisa.
O professor universitário explica ainda que o governo russo classificou dados económicos importantes desde o início da guerra, que torna pouco claro o montante que o país está a alocar à guerra, economia e segurança social. Dados sobre reservas estrangeiras ou produção de petróleo também deixaram de estar disponíveis. “Claramente, Putin está a fazer um esforço significativo para escudar o público russo do impacto devastador das sanções. Só podemos esperar que esta camada de obscuridade não persista por muito mais [tempo]”, remata Sytch.
Na Europa, há quem se mostre desiludido com o resultado das sanções. A ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, disse numa entrevista para um livro que as sanções Ocidentais não estavam a ter “impacto económico” na Rússia, escreveu a Deutsche Welle em agosto.
Depois de a Rússia ter terminado 2022 com uma recessão de 2,1%, as estimativas deste ano apontam para melhorias da economia. Apesar das sanções e da inflação, o Fundo Monetário Internacional prevê um crescimento de 1,5% da economia russa para 2023. Já a Agência de Energia Internacional descreve que as receitas de Moscovo com a exportação de petróleo aumentou de 1,8 mil milhões para 17,1 mil milhões de dólares em agosto, com o aumento de preços a compensar a redução de remessas. A Rússia exportou 7,2 milhões de barris por dia, com a China e a Índia a constituírem os principais importadores.
Apesar disso, o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, garantiu em agosto que as sanções contra a Rússia estão a funcionar e que as medidas “vão ter um impacto a longo prazo no orçamento russo e na sua base industrial e tecnológica”. Entre os dados apresentados, Borrell descreve que no ano passado a manufatura russa diminuiu 6%, a produção de veículos motorizados caiu 48% e houve uma redução de 17% no comércio grossista. Olhando para os esforços europeus, há outras consequências: as companhias aéreas russas deixaram de poder sobrevoar território da UE, a exportação de tecnologia que pode ser usada para produzir armamento caiu 78% e mesmo em setores que não são abrangidos pelas sanções as trocas comerciais com empresas europeias reduziram em média 10%.