Motins em França: 1311 pessoas detidas na madrugada de sábado, ministro do Interior fala em noite mais calma, autarcas e polícia discordam
A destruição de uma loja da cadeia de roupa Calzedonia, na cidade de Lyon
JEFF PACHOUD
O ministro do Interior falou durante a madrugada aos jornalistas, flanqueado por agentes da autoridade, para dizer ao país que os tumultos tinham diminuido de intensidade. No entando, os números oficiais parecem mostrar um aumento das prisões. Há centenas de edifícios vandalizados, lojas saqueadas, carros queimados e até uma biblioteca que ardeu. Os revoltosos queixam-se de racismo endémico na sociedade que leva ao tipo de violência policial que, na terça-feira, resultou na morte de um jovem de 17 anos
As ruas de algumas das principais cidades francesas passaram mais uma noite incandescente, com confrontos constantes entre os que pedem o fim do que consideram ser a violência policial e a própria polícia, à qual o Governo já mandou juntar o exército. A causa epidérmica destes tumultos é conhecida: um jovem de 17 anos, Nahel M., de origem argelina, foi morto pela polícia com um tiro no peito, depois de se recusar a parar numa operação stop. As raízes mais profundas do descontentamento são tão extensas como a própria História de França e envolvem, segundo os especialistas que têm sido ouvidos desde os grandes motins de 2005, sentimentos de isolamento, segregação, desemprego entre os jovens, pobreza generalizada entre grupos racializados.
A morte de Nahel, pela qual o polícia que desferiu o tiro já pediu perdão sem que isso tenha contribuído para desfazer a revolta de quem vê naquele tiro um ato de violência injustificável, voltou a trazer milhares às ruas. Primeiro de Nanterre, logo na terça-feira, quando a notícia da morte de Nahel começou a circular, e depois por todo o país. O rastilho foi-se espalhando e, de acordo com o relatório provisório que as autoridades fizeram chegar à agência de notícias France Presse apenas sobre a madrugada deste sábado, 1311 pessoas foram detidas; 79 polícias e membros da gendarmerie, uma força equivalente à Guarda Nacional Republicana, ficaram feridos; 1350 veículos foram incendiados, 234 edifícios danificados e 2560 incêndios ateados na via pública.
No entanto, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, que apareceu durante a noite ao lado da polícia em Mantes-la-Jolie (Yvelines, distrito a oeste de Paris), falou de uma redução acentuada da violência, classificando os protestos como tendo tido uma “intensidade muito menor” do que a registada nas noites anteriores. “A República vai vencer”, disse ainda, segundo o “Le Figaro”. Pelo menos 45 mil agentes da polícia foram mobilizados na noite de sexta-feira, mais 5000 do que no dia anterior.
O acompanhamento em direito que está a ser feito por vários sites de meios de comunicação franceses mostra que a destruição de lojas, edifícios onde estavam instalados serviços públicos e outro mobiliário urbano sofreram fortes danos durante a madrugada e um polícia até se queixou a um jornalista de que as palavras apaziguadoras do ministro do Interior não tinham grande adesão à realidade das ruas, pelo menos não no país fora de Paris.
Lyon foi uma das cidades onde se registaram alguns dos confrontos mais graves. Pelo menos 35 policias ficaram feridos durante a noite de sexta para sábado, sete deles foram atingidos por tiros de espingarda, segundo disse ao “Le Figaro” uma fonte policial. Um deles, ferido no olho e na bochecha, está a ser operado. Outros dois também tiveram de ser hospitalizados, conta o “Le Monde”. “O que os salvou foi estarem um pouco afastados, cerca de vinte metros do atirador”, conta a fonte do “Le Figaro”. As autoridades estão a tentar entender de onde vieram as armas, que, segundo algumas testemunhas, se pareciam com espingardas Kalashnikov. Registaram-se tumultos em seis dos nove distritos da cidade.
Marselha também viveu uma madrugada problemática. As autoridades registaram 95 prisões, lê-se no “Le Monde”. Dezenas de caixotes do lixo incendiados, veículos queimados, várias lojas saqueadas são alguns dos danos registados. Um supermercado ardeu na totalidade e foram roubadas algumas armas de uma loja de caça, mas sem munições.
Um supermercado da cadeia Aldi foi totalmente destruido nos confrontos em Marselha
CLEMENT MAHOUDEAU/Getty Images
Nestas duas cidades, mas também em Grenoble, Saint-Étienne e outras localidades, o rasto dos tumultos ficou visível no chão: pedaços de vidro e caixilharia das montras espalhados pelos passeios, sacos, caixas de todo o tipo de objetos, desde sapatos e material tecnológico, manequins de lojas de roupa.
Os vídeos partilhados nas redes sociais mostram que os desacatos também chegaram ao leste do país. Há vários que mostram a biblioteca Metz, em Moselle, na fronteira com a Alemanha, a arder. O autarca da cidade, François Grosdidier, disse, em declarações à imprensa esta madrugada, que a “total inferioridade numérica” da polícia estava a dificultar o controlo de “centenas de delinquentes”.
Ainda na região de Moselle, em Woippy e Yutz, os restaurantes da cadeia McDonalds sofreram graves danos, na sequência de incêndios. Na Alsácia, a polícia deteve 40 pessoas, disse uma fonte policial à France Press. Em Mulhouse, garrafas incendiárias foram lançadas contra a garagem da polícia e um recolher obrigatório para menores de idade foi decretado em várias cidades da região.