O maior partido unionista da Irlanda do Norte rejeita o acordo que o Governo do Reino Unido assinou com a União Europeia (UE) no mês passado. Segundo Jeffrey Donaldson, líder do Partido Unionista Democrático (DUP), o documento conhecido como Marco de Windsor precisa de “clarificação, retrabalho e mudança”. A decisão terá sido unânime entre os dirigentes desta força política.
O pacto entre Londres e Bruxelas visa resolver os problemas que o ‘Brexit’ gerou na fronteira entre as Irlandas, revendo o Protocolo assinado pelo Governo de Boris Johnson com os 27. Conhecido como Marco de Windsor e anunicado pelo atual primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o documento reduz a burocracia e os controlos aduaneiros no mar da Irlanda; assegura que as regras que o Reino Unido adote se apliquem à integridade do seu território; e permite que as instituições democráticas norte-irlandesas se oponham a novas disposições do mercado único europeu que se apliquem ao território, disposição conhecida como “travão de Stormont”, nome da sede do governo regional.
O Protocolo da Irlanda do Norte foi a forma de Londres e Bruxelas resolverem o problema da fronteira. O território é parte do Reino Unido, mas tem fronteira aberta com a Irlanda, que é membro da UE. Essa abertura é ponto basilar do Acordo de Sexta-feira Santa, que em 1998 pôs fim a décadas de conflito sangrento entre protestantes unionistas, que defendem a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido, e católicos republicanos, partidários da reunificação irlandesa.
O ‘Brexit’ obriga a verificações de produtos que transitam nas fronteiras entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, pois dali podem seguir para a Irlanda e os demais 26 Estados-membros da UE. Johnson fez instalar essa fronteira aduaneira no mar da Irlanda, dividindo na prática o Reino Unido. Os unionistas ficaram furiosos.
Trabalhistas dão a mão a Sunak
O “travão de Stormont” defendido pelo atual primeiro-ministro britânico, Rish Sunak, permite ao parlamento norte-irlandês “vetar” alterações a leis europeias que tenham de aplicar-se ao território ao abrigo do Protocolo. Basta que 30 deputados se lhes oponham. Desconfiado das intenções de Londres, o eurocético DUP não acredita que isso funcione.
“Embora represente um avanço real, não resolve a questão fundamental, que é a imposição do direito comunitário por via do Protocolo”, explicou Donaldson esta segunda-feira. “O ‘travão’ não foi concebido para nem pode aplicar-se a leis comunitárias já em vigor, a cuja aplicação não demos consentimento.”
Assim, os oito representantes do DUP na Câmara dos Comuns votarão contra essa solução na próxima quarta-feira. A aprovação não parece estar em causa, já que a oposição trabalhista apoia o Executivo, mas politicamente é diferente (e crucial) ter o acordo dos unionistas norte-irlandeses.
Sem governo regional há um ano
Os unionistas dizem-se dispostos a debater o assunto com Sunak. Para este, a rejeição é má notícia, porque muitos deputados do seu próprio partido aguardavam a posição do DUP para definir o seu sentido de voto.
Por outro lado, a Irlanda do Norte está sem Governo há um ano e restaurá-lo implica um acordo entre o DUP (maior força unionista, partidária da ligação ao Reino Unido) e o Sinn Fein (SF, a mais importante formação republicana, isto é, tendencialmente católica e favorável à reunificação irlandesa). Ao abrigo do Acordo de Sexta-feira Santa, as duas comunidades têm de estar representadas no executivo norte-irlandês.
Ora, os unionistas recusam qualquer consenso antes de verem satisfeitas as suas reivindicações ligadas ao Protocolo e à questão da fronteira. Foi essa desavença, aliás, que causou a queda do último executivo norte-irlandês, chefiado pelo unionista Paul Givan. Em maio de 2022 houve eleições, vencidas pelo SF, mas os dois partidos não chegaram a acordo para nomear primeira-ministra a candidata republicana, Michelle O’Neil, e um vice-primeiro-ministro unionista.
Londres tinha aspirações a repor o governo norte-irlandês em funcionamento antes do 25º aniversário do Acordo de Sexta-feira Santa, a 10 de abril. Entre os convidados para as celebrações estão o atual Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (com antepassados irlandeses) e o seu antecessor à data do acordo, Bill Clinton. A posição do DUP dificulta essa restauração das instituições.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes