Já se perfilam nomes para chefiar os conservadores britânicos, mas a luta é (também) pela alma do partido
A Perry/Unsplash
Foram anunciadas as regras para a eleição do novo líder do Partido Conservador, que será também primeiro-ministro do Reino Unido. Cada candidato terá de garantir o apoio de 100 deputados (num total de 356). Se dois conseguirem passar esse limiar, os militantes serão chamados a votar. A cúpula do partido parece desejar o contrário. Ainda sem candidatos oficiais, as principais apostas são caras que ficaram conhecidos na disputa anterior
As vozes que pedem o regresso de Boris Johnson à chefia do Partido Conservador são suficientes para o caso poder ser levado a sério. É mesmo possível que o primeiro-ministro afastado pelos seus companheiros no verão passado seja candidato à chefia, na sequência da demissão de Liz Truss, que lhe sucedeu.
Não seria caso inédito. Há exemplos recentes na política britânica, como Alex Salmond. Chefiou por duas vezes os nacionalistas escoceses (SNP) e agora até encabeça outro partido independentista, o Alba. Também Nigel Farage esteve à frente do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP, eurocético) em três períodos.
O deputado conservador Michael Fabricant escreveu na rede social Twitter, esta quinta-feira à tarde, que Johnson “é decerto o preferido dos militantes” e o “único com a legitimidade por ter sido eleito com uma larga maioria por todo o país”. Refere-se às legislativas de 2019, as últimas realizadas no país.
É a principal razão apontada pelos que apoiam o ex-primeiro-ministro: a maioria de 80 deputados que conseguiu em 2019, conquistando votos até nos mais fortes bastiões dos trabalhistas no centro e norte de Inglaterra. Há também quem peça cautela.
O deputado Justin Tomlinson disse à Sky News que, apesar de ter sido defensor de Johnson, não considera ideal reelegê-lo. “É muito cedo. Estive lá a apoiá-lo até ao fim, mas Johnson perdeu a confiança da maioria dos companheiros de partido. Não passou tempo suficiente para o partido se unir em seu redor e, para mim, agora trata-se do partido. Temos de ser maduros, pragmáticos e pôr o país em primeiro lugar.”
As sondagens trazem boas notícias a Johnson, caso decida avançar. O mais recente inquérito do YouGov mostra que é o preferido e 32% dos militantes tories. Em segundo lugar, mas a considerável distância, está o ex-ministro das Finanças Rishi Sunak (23%) — cuja demissão, em julho, ajudou à queda de Johnson, e que depois foi derrotado por Truss na última eleição interna — e mais longe , em terceiro, Ben Wallace, ministro da Defesa, com 10%.
Outros conservadores estão em modo catastrofista e avisam que a eleição do novo chefe, a correr mal, pode significar o fim do partido. Ainda há, numa ala muito minoritária, quem reconheça que a oposição tem razão ao pedir eleições antecipadas.
Numa entrevista ao podcast News Agents, apresentado por três conhecidos jornalistas britânicos, Robert Jenrick, secretário de Estado da Saúde e Assistência Social no Governo de Liz Truss, defendeu que “não é só mais uma disputa pela liderança, é ainda mais invulgar do que aquilo que vivemos no verão, e se errarmos o país enfrentará um período muito grave de maior instabilidade e os conservadores perderão as próximas eleições gerais, potencialmente deixarão de existir”.
O deputado Mark Garnier não se afastou muito desta mensagem, em declarações à Radio 4 da BBC. “Suspeito que estejamos perante um momento existencial para o Partido Conservador. Se não nos unirmos e não reconhecermos que a nossa sobrevivência depende disso, se nos separarmos, pode ser o fim do partido”.
Novas regras para encontrar líder numa semana
As regras para a escolha do próximo líder foram apresentadas e parecem visar a rapidez. O deputado Graham Brady, presidente do Comité 1922 — um grupo de deputados conservadores sem funções governativas que decide a vida interna do partido —, explicou que pode ser candidato quem reunir pelo menos 100 apoios no grupo parlamentar. Tendo em conta que há 356 deputados tories, haverá no máximo três candidatos.
Liz Truss fez o seu discurso de renúncia ao cargo de primeira-ministra à porta do n.º 10 de Downing Street, em Londres
Se só houver um candidato, é aclamado e o Reino Unido terá novo primeiro-ministro já segunda-feira. Havendo dois ou três, a bancada parlamentar fará, respetivamente, duas ou uma ronda de votação.
Se forem três, faz uma ronda para os reduzir a dois, eliminando o menos votado. Depois, outra ronda indicativa para que os militantes saibam quem é o preferido do grupo parlamentar antes de escolherem. Caso haja apenas dois candidatos, faz-se apenas a ronda indicativa.
A primeira votação na bancada parlamentar está marcada para entre as 15h30 e as 17h30 de segunda-feira, com o resultado anunciado às 18h. Caso seja preciso uma segunda ronda, acontecerá entre as 18h30 e as 20h30 do mesmo dia e o desfecho saber-se-á às 21h.
Caso tenha de haver votação dos militantes, será gerida pela direção do partido e funcionará por via digital. O prazo acaba às 11h de sexta-feira, 28 de outubro. O mais tardar nesse dia o Reino Unido terá novo chefe de Governo, o primeiro empossado pelo rei Carlos III. Só quem for militante há mais de três meses terá direito a votar.
Os nomes mais falados para a sucessão
Os nomes de que se fala já estavam na lista de candidatos quando Truss e Sunak alcançaram a ronda final da última eleição, este verão. Um deles é precisamente Sunak, até porque a política económica que Truss apresentou, e que acabou por precipitar o fim do seu curto mandato, é contrária a tudo o que Sunak defende e tinha defendido em campanha, o que pode ser uma vantagem para ele, por contraste.
O antigo ministro ainda não fez qualquer comentário à saída de Truss nem anunciou a intenção de concorrer de novo. Não há, aliás, candidatos oficiais, só putativos. E Sunak está nessa lista.
Rishi Sunak pode ter uma nova oportunidade de chegar à liderança dos conservadores depois de ter perdido há mês e meio para Liz Truss
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Uma potencial rival será Penny Mordant, deputada por Portsmouth North, 49 anos, ex-militar na Marinha, antiga ministra da Defesa (a primeira mulher no cargo) e hoje titular dos Assuntos Parlamentares. Foi assistente de um ilusionista e líder da juventude conservadora.
É considerada uma candidata mais centrista do que a maioria, tendo até ficado conhecida pelas suas posições de defesa das minorias, uma raridade entre os que se perfilam para a liderança. Estão quase todos mais à direita, tanto na economia como nos costumes, do que os últimos três primeiros-ministros britânicos: Johnson, Theresa May e David Cameron, que não fizeram da chamada “luta identitária” uma bandeira dos seus mandatos.
Penny Mordaunt, ex-militar, atual ministra do Comércio, é uma das fortes possibilidades para chefe do Governo
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Já Kemi Badenoch, deputada, 42 anos, ministra do Comércio Internacional e ex-secretária de Estado para a Igualdade, aproxima-se mais de Truss na economia. Pelo menos assim era antes do cartão vermelho dos mercados à doutrina “trussonomics”.
“Estou comprometida com a redução de impostos para empresas e indivíduos, mas não entrarei numa guerra de licitações fiscais do estilo ‘os meus cortes de impostos são maiores que os teus’”, disse quando concorreu à liderança que acabou por ir para Truss.
Badenoch também está contra o que se convencionou chamar “politicamente correto”. É por aí que pensa cortar na despesa do Estado. Ajuda internacional, subsídios aos estudantes, pessoal de apoio psicológico nos organismos públicos e outros cargos “só para pôr uma cruzinha no campo da diversidade”, são ideias a revogar na cartilha de Badenoch, escreveu “The Independent” na altura. Mordaunt aparece com 9% de intenções de voto na sondagem publicada pelo YouGov e Badenoch com 9%.
Praticamente desconhecida até esta eleição interna, Kemi Badenoch é uma estrela ascendente na direita do Partido Conservador e deve integrar o próximo Executivo
Jonathan Hordle/ITV/Getty Images
Jeremy Hunt, ministro das Finanças há menos de uma semana, foi dos primeiros nomes a soar depois da demissão de Truss. Afirmou que não pensa concorrer à liderança, apesar de ser visto como alguém com experiência, comedido, pragmático, conservador moderado, e capaz de agradar o suficiente às várias alas do conservadorismo britânico. Teria de dar o dito por não dito para avançar.
Ben Wallace, à falta do mais conhecido Hunt, pode ser o candidato moderado que alguns conservadores preferirão. Quando se começou a falar do fim da era Johnson, o ministro da Defesa, de 52 anos, surgiu nas sondagens como favorito dos militantes (mesmo contra Truss e Sunak), mas decidiu não entrar na disputa.
Desta vez ainda não disse se irá concorrer. Wallace é ex-militar, deputado muito respeitado pelos companheiros pelas suas intervenções, quase sempre assertivas, parcas em provocações ou populismos.
O secretário de Estado da Defesa britânico, Ben Wallace
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Também é provável que vejamos avançar a ex-ministra do Interior Suella Braverman, que se demitiu com estrondo quarta-feira, meras horas antes de Truss aceitar que não estava em condições de continuar. Braverman teve pouco tempo para mostrar ação, mas as suas declarações inusitadas no Parlamento, na última semana, chegaram para mostrar contra quem pensa lutar se vencer.
Como Truss fizera com os ativistas pelo ambiente, Braverman achou boa ideia rotular como “coligação anticrescimento económico” todos os que “comem tofu e leem ‘The Guardian’”. Culpa esta fatia da população pelos distúrbios no trânsito que as ações dos ativistas contra a utilização de combustíveis fósseis têm provocado ao, por exemplo, colarem as próprias mãos a pilares de pontes cheias de carros.
A procuradora-geral, Suella Braverman, que anunciou a sua intenção de concorrer ao lugar de primeira-ministra ainda antes de Johnson se ter demitido
Stefan Rousseau - PA Images/Getty Images
O escritor e comentador Matthew Goodwin escreveu na sua página na plataforma Substack que esta luta não é só pela liderança do partido. Na verdade é uma “guerra civil que se intensifica para saber que tipo de partido os conservadores querem ser”.
De um lado, explica no mesmo artigo, “estão os centristas liberais, pessoas próximas do sistema que querem regressar à ortodoxia económica e social, estão confortáveis com números altos de imigração e não querem ser puxados para o vórtex dos assuntos identitários, que está abaixo deles”. Do outro, “os que consideram que a grande vitória de 2019, as políticas que a sustentaram e a visão de conservadorismo de cores diferentes que o ‘Brexit’ trouxe, estão a ser destruídos pelos ‘conservadores só de nome’”, sem real afinidade com as políticas que esta ala considera verdadeiramente conservadoras (impostos o mais baixos possível, menos imigração, e menos preocupações com assuntos que, a seu ver, só dizem respeito às minorias).
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