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Grécia recolhe 92 migrantes nus e com ferimentos e acusa Turquia. Ancara diz que a violência vem da Grécia

Grécia recolhe 92 migrantes nus e com ferimentos e acusa Turquia. Ancara diz que a violência vem da Grécia
Burak Kara/ Getty Images

As imagens não são fáceis de ver, mesmo depois de a maioria dos meios de comunicação social terem colocado um filtro sobre elas, para impedir a identificação dos migrantes. A Grécia recolheu 92 pessoas nas margens do rio Evros, que separa os dois países, e a agência europeia de fronteiras, a Frontex, diz ter recolhido testemunhos dos migrantes que confirmam as agressões por parte de militares turcos

As autoridades gregas anunciaram no sábado o resgate de 92 migrantes, quase todos encontrados nus e muitos com ferimentos, perto da fronteira com a Turquia e acusam Ancara de “empurrar” as pessoas para a Grécia de forma violenta. As imagens, entretanto publicadas por vários meios de comunicação social e também pelas autoridades gregas, são chocantes, apesar de terem sido alteradas para não revelar nem a identidade nem a intimidade destes migrantes, na sua maioria com origem no Afeganistão e na Síria.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados já disse estar “profundamente chocado” com as notícias. A Turquia nega qualquer violência sobre estas pessoas, e culpa Atenas, que está longe de ter um cadastro limpo no capítulo das migrações.

De qualquer forma, nesta zona do mundo, nas fronteiras quer terrestres quer marítimas entre a Turquia e a Grécia não há atores totalmente inocentes. O incidente aconteceu perto do rio Evros, que separa os dois países (nordeste da Grécia, noroeste da Turquia) e apesar de não ser comum os migrantes aparecem totalmente nus de um ou de outro lado, a violência nesta fronteira é uma rotina para quem tenta atravessá-la.

O Expresso passou uma semana nesta fronteira em novembro do ano passado e vários migrantes mantêm tendas ao longo do rio, e quase todos os dias tentam passar para a Grécia, território europeu. O mais comum é serem reenviados, pelo mesmo rio, de volta à Turquia, não sem antes serem espancados por homens encapuzados.

A Turquia, em comparação, é vista pelos migrantes como o ator menos violento, mas durante a nossa reportagem vários migrantes acusaram Ancara do mesmo tipo de comportamentos violentos - e de serem empurrados para a Grécia, mesmo quando não desejam ir, com armas apontadas à cabeça.

O ministro grego da Migração, Notis Mitarachi, disse no Twitter que o comportamento da Turquia é uma "vergonha para a civilização". A Turquia negou ter enviado os homens através do Evros e acusou o vizinho de “crueldade”. O ministro grego da Proteção Civil, Takis Theodorikakos, acusou a Turquia de “instrumentalizar a imigração ilegal”, e acrescentou, em declarações à cadeia de televisão Skai, que muitos dos resgatados disseram à Frontex que foram transportados para as margens do Evros em “três veículos do exército turco”.

A Turquia voltou a responder, pela voz de Ismail Çatakli, porta-voz do Ministério do Interior, no Twitter também. "Como não conseguiu encontrar um único caso de violação de direitos humanos por parte da Turquia, acabou a expor as imagens de uma crueldade que os senhores mesmo infligiram, como se a fosse a Turquia que tivesse culpa! Ocupe o seu tempo a observar os direitos humanos, não com manipulações e desonestidade! Vá lá, não é assim tão difícil, é só ser civilizado”, escreveu Çatakli.

Como estas informações não são possíveis de verificar sem uma investigação independente, a ONU pediu uma - mais uma.

O fenómeno de empurrar pessoas para fora de um território onde elas possam desejar fazer um pedido de proteção internacional é contra a lei internacional. Na literatura sobre o tema, estes reenvios têm o nome “pushbacks” - e no rio Evros acontecem desde 2019 com mais frequência, depois de os migrantes se terem apercebido que passar pelo mar Egeu é extremamente perigoso e a Marinha grega está muito atenta aos pequenos barcos (e de caminho os reenvia para águas turcas, onde a responsabilidade pela vida destas pessoas passa a pesar sobre Ancara).

As autoridades gregas garantem que já fizeram uma investigação preliminar - em conjunto com a agência europeia de controlo de fronteiras, a FRONTEX - e as conclusões mostram, dizem, que os migrantes chegaram ao lado grego dentro de barcos de borracha turcos. Não é claro por que razão os homens não traziam roupa mas não é incomum os migrantes relatarem que as autoridades dos dois países pedem-lhes que se dispam, quer para os revistarem, quer como forma de violência já que estar sem roupa não só provoca frio como pode ser considerado uma humilhação. Há milhares de testemunhos que são coligidos há vários anos pelas organizações não governamentais presentes na zona. A maioria está numa base de dados online (a maior de todo o mundo sobre “pushbacks”) organizada pela Border Violence Monitoring Network.

A ONU espera conseguir acesso aos migrantes em breve até porque, como explicou em comunicado, não tem ainda qualquer informação em primeira mão sobre o que aconteceu e não é a primeira vez que a Grécia acusa não só os turcos mas também os jornalistas europeus de acreditarem na propaganda turca sobre o que se passa na fronteira. Isto apesar de existirem dezenas de textos e relatórios não só de ONG como também do Parlamento Europeu sobre o cariz sistemático destes reenvios ilegais.

Frontex acusada de esconder “pushbacks”

Este fim de semana foi também notícia, depois de a revista alemã Der Spiegel ter publicado uma grande investigação sobre o tema, que alguns funcionários da Frontex em cargos de chefia estiveram envolvidos no encobrimento destas práticas ilegais na Grécia e na Turquia. O relatório - do OLAF, o órgão antifraude da UE - mostra que algumas das mais altas chefias podem ter de responder por “má conduta grave e outras irregularidades” ao encobrir “pushbacks”, ou ao decidir não os investigar ou não investir os recursos necessários nessas investigações.

Os investigadores do OLAF analisaram informações de fontes abertas e reportagens dos meios de comunicação social, solicitaram documentos à Frontex e à Comissão Europeia e entrevistaram 20 testemunhas para chegar a estas conclusões.

O relatório detalha como as acusações, que incluem relatos de migrantes que foram colocados em colchões insufláveis e deixados à deriva no mar, muitas vezes não foram sequer enviadas para investigação, o que vai contra as próprias regras da Frontex. O que leva a OLAF a outro ponto: o facto de que os inspetores da Frontex podem ter deixado de relatar incidentes de quebras de direitos humanos devido ao medo de repercussões por parte da Grécia. Num dos casos que o relatório utiliza para exemplificar este tipo de comportamento, um avião de vigilância da Frontex voou para longe do local onde estava a acontecer um incidente de reenvios, “para evitar testemunhar incidentes no Mar Egeu”.

A Frontex já respondeu. “São práticas do passado”, disse a agência em resposta a perguntas da Euronews. em comunicado à Euronews. “Como meio de corrigir as deficiências, a Agência e o seu Conselho de Administração concordaram em tomar uma série de medidas corretivas, abordando, entre outras coisas, as constatações mencionadas [pela OLAF]”.

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