Internacional

A história de 25 pessoas à deriva no mar Egeu. Em 2021 foram devolvidos à Turquia 15.803 migrantes, estima ONG

13 janeiro 2022 20:34

Um grupo de 25 pessoas, 17 menores e quatro crianças recém-nascidas foi recentemente reenviado da Grécia para a Turquia pelo mar Egeu. É um fenómeno com anos, quase sempre envolve violência sobre migrantes, mas tem-se tornado quase diário

13 janeiro 2022 20:34

Vinte e cinco pessoas, 17 delas crianças, foram colocadas em barcos insufláveis, sem remos nem motor, e reenviadas para a Turquia, pelo mar Egeu, depois de já terem pisado solo grego, segundo uma queixa dos próprios recolhida pela organização não governamental (ONG) Aegean Boat Report e entretanto também confirmada por advogados contactados pelo mesmo grupo.

Estas pessoas foram alvo de uma prática que se tem tornado uma forma quase normal de controlo migratório: o reenvio de potenciais requerentes de asilo da Grécia para a Turquia (de onde a maioria provém), sem que lhes seja dada a possibilidade de explicar, perante um tribunal, por que razão consideram que correm perigo no país de onde chegaram ou nos seus países de origem.

Na tarde de 9 de janeiro, um barco com 25 pessoas desembarcou perto da localidade de Tsonia, no nordeste da ilha grega de Lesbos. As pessoas conseguiram esconder-se numa floresta depois de chegarem, a fim de evitar serem devolvidas se fossem encontradas pelas autoridades. Em vez de se dirigirem à polícia ou ao hospital, e mesmo antes de tentarem adquirir qualquer alimento, contactaram a Aegean Boat Report para que a organização pudesse documentar que eles tinham mesmo chegado a solo grego e europeu. Cada vez mais pessoas resolvem ligar a advogados ou a associações quando chegam à Grécia, para que haja registo no caso de serem devolvidos – e, claro, para tentarem evitar o reenvio. No entanto, nenhuma organização consegue impedir essa política, porque as autoridades não anunciam nem mantêm registos públicos das pessoas que chegam, são recolhidas e reenviadas.

No dia 10 de janeiro, o grupo começou a movimentar-se à procura de comida e de abrigo, em direção a Tsonia, pedindo ajuda a habitantes. Às 08h00 do dia 10 de janeiro, a Aegean Boat Report enviou um e-mail a ONG, autoridades e ao Provedor da Justiça da Grécia, para informar que o grupo gostaria de solicitar asilo na Grécia e precisava de proteção internacional.  A carta também foi publicada no Facebook e no Twitter.

Durante estas horas, várias pessoas desse grupo foram falando sobre a situação que estavam a viver, através de mensagens de voz para o número da Agean Boat Report, mas também por texto, vídeos e fotografias. “Estão connosco 17 crianças, quatro são recém-nascidos e um deles está mesmo muito doente. Não temos leite para as alimentar”, pode ouvir-se numa das mensagens de áudio que foram enviadas à Aegean Boat Report. São várias as fotografias do grupo publicadas nas redes sociais de várias ONG, que têm partilhado a história. Mas os voluntários queixam-se de que a ação das associações no terreno estão paralisadas pelo medo de multas e prisões – na Grécia, os processos de criminalização de ajuda a pessoas em trânsito multiplicam-se e até os jornalistas são alvos de pressão.

“O grupo de 25 pessoas permaneceu na floresta toda a noite, com a roupa molhada, sem água e sem comida”, escreveram os voluntários da Aegean Boat Report no relatório sobre o incidente – que nenhum membro do Governo grego desmentiu. O Expresso tentou contactar quer a Guarda Costeira Grega quer a Aegean Boat Report para recolher mais informações sobre o caso, mas, até à publicação deste texto, ainda não tinha sido possível obter qualquer declaração.

Pelo meio dia, a polícia encontrou o grupo, na periferia de Tsonia. Alguns destes migrantes tentaram fugir e ainda avisaram a ONG de que tinham sido encontrados, mas pouco depois todos perderam contacto com a Agean Boat Report – a organização supõe que, como em milhares de outros casos já documentados, foram recolhidos por homens de cara escondida (uma informação transmitida por testemunhas que falaram anonimamente com a associação). Depois ficaram com os seus telefones ou destruíram-nos.

Também é comum dar-se o caso de um ou dois dos telefones por vezes escaparem à revista, quando os grupos são grandes e há pressa de quem os apreende. A Aegean Boat Report recebeu uma mensagem de uma mulher, que pode ouvir em baixo, a partir do mar, onde diz que o barco onde foram colocados não é robusto e que toda a gente está desesperada.

Por volta da meia noite, a Guarda Costeira turca recolheu estas 25 pessoas perto de Seferihisar, na Turquia, a 200 quilómetros de onde tinham desembarcado. O grupo está agora em quarentena numa instituição em Seferihisar e voltaram a contactar de lá a Aegean Boat Report para relatar melhor o que tinha acontecido.

De acordo com uma das mulheres do grupo, os homens encapuçados que os apanharam em Tsonia colocaram-nos numa carrinha que parou ao pé de um porto. “Quando saímos havia mais ou menos 10 ou 15 homens de máscara, com armas. As crianças estavam a chorar com medo das armas e das balaclavas que eles usavam. Depois dividiram-nos em dois barcos rápidos tipo lanchas e levaram-nos para um barco maior. Em cada lancha havia três homens encapuzados e armados”, lê-se no relato publicado pela ONG.

Como muita gente não quis entrar, disseram os migrantes, a Guarda Costeira grega atirou-os ao mar, tendo um bebé sido resgatado por um jovem, depois de ter caído no mar em vez de no barco insuflável. 

Nos últimos 12 meses, a Aeagen Boat Report diz que teve conhecimento de 902 barcos insufláveis devolvidos, num total de mais de 15 mil pessoas recolhidas pela Guarda Costeira turca, um número impossível de verificar. Mas a Aegean Boat Report está longe de ser a única associação a contar estes casos e eles não acontecem só nas fronteiras marítimas.

Há diversos relatos de reenvios extremamente violentos nas fronteiras da Polónia com a Bielorrússia, da Croácia com a Bósnia ou da Bulgária com a Turquia. Há relatórios no Conselho Europeu dos Refugiados e Exilados, da Human Rights Watch e há alertas de membros do Parlamento Europeu e investigações sobre o envolvimento da própria polícia europeia de fronteiras, a FRONTEX, nestes métodos. A estes documentos juntam-se as investigações jornalísticas, com vídeos e outras provas destes processos, que, nos últimos dois anos, têm sido publicadas em vários jornais europeus.