Ao fim de um mês, Truss despede o seu ministro das Finanças. Será ela a próxima?
EPA/TOLGA AKMEN
A BBC avança que Kwasi Kwarteng já não faz parte do Governo de Liz Truss. Esteve 38 dias no cargo e é substituído por Jeremy Hunt, que tem mais experiência governativa. Saída gera dúvidas sobre continuidade da própria primeira-ministra, que pode bater recorde de brevidade em Downing Street
O ministro das Finanças do Reino Unido, Kwasi Kwarteng, foi demitido por Liz Truss, após críticas ao “mini-orçamento” que ambos desenharam assim que a primeira-ministra foi eleita líder dos conservadores e, por essa via, chefe do Executivo. Para a pasta foi nomeado Jeremy Hunt, antigo titular dos Negócios Estrangeiros e da Saúde e duas vezes candidato falhado à chefia do Partido Conservador.
As críticas aos planos do novo Governo para cortar impostos e colmatar as necessidades orçamentais com mais empréstimos foram de tal forma esmagadoras que a dupla foi obrigada a admitir que errara. Os mercados acusaram o toque e a cotação da libra caiu acentuadamente.
A saída do ministro não acalmou os mercados. Na meia hora após a notícia ser divulgada, a moeda britânica voltou a cair 1,3%, ficando abaixo de 1,12 dólares. Na véspera subira ligeiramente.
Kwarteng é o segundo ministro das Finanças com menos tempo de permanência no cargo, apenas Ian Macleod durou menos, mas por ter morrido ao fim de 30 dias no cargo, em 1970.
Já Liz Truss, se vier a cair na sequência desta crise, baterá o recorde da efemeridade no n.º 10 de Downing Street, estabelecido há quase 200 anos. Está no poder há 38 dias, quando o até agora primeiro-ministro mais breve é George Canning, um conservador como ela que governou 119 dias entre abril e agosto de 1827.
Um jornal tabloide de tom satírico, o “Daily Starr”, resolveu fazer uma experiência. Tem uma emissão direta no seu site para verificar o que acontece mais depressa: a queda da primeira-ministra ou o apodrecimento de uma alface do supermercado.
Carlos III recebe Liz Truss no Palácio de Buckingham, dia 12 de outubro
O demitido ministro escreveu uma carta em que reafirma o apoio à primeira-ministra e aceita a decisão desta. Parece estar afastado um discurso duro no Parlamento após demissão daquele que está a ser um bode expiatório do que correu mal.
Discursos parlamentares de ex-ministros podem ser nocivos para o Governo. Em 1990, o do também antigo ministro das Finanças Geoffrey Howe ajudou a derrubar a primeira-ministra Margaret Thatcher.
Kwarteng, pelo contrário, explica que “o ambiente económico mudou muito rapidamente” desde que anunciou o “mini-orçamento”, mantendo a convicção de que “baixas taxas de crescimento e alta tributação” são os motivos dos males económicos do Reino Unido.
Truss respondeu em tom caloroso. “Como amiga e colega de longa data, tenho muita pena de perdê-lo no Governo. Partilhamos a mesma visão para o nosso país e a mesma convicção firme de procurar crescimento. Foi ministro em tempos extraordinariamente complexos, face a fortes ventos adversos globais.” A primeira-ministra elogia Kwarteng por, ao acatar o despedimento, ter posto “o interesse nacional em primeiro lugar”.
Inquirido por jornalistas à saída (provavelmente pela última vez) do n.º 11 de Downing Street, sua residência oficial, Kwarteng ficou em silêncio. “Liz Truss deve demitir-se?”, perguntava o repórter da BBC, em vão.
Na carta a Truss, o ex-ministro assegura: “A sua visão de otimismo, crescimento e mudança estava certa”. Kwarteng promete continuar a apoiá-la e exorta o Governo a “frisar o compromisso com a disciplina orçamental”, para recuperar a confiança.
Dada a importância da pasta das Finanças em qualquer Governo, mormente em tempos de crise global, e tendo Truss já sido alvo de críticas duras dentro do próprio partido, levanta-se a questão da sua permanência em Downing Street.
A primeira-ministra esteve ligada à política de Kwarteng desde o início. Truss falará esta tarde ao país e poderá clarificar como se processou o afastamento do ministro, além de anunciar o seu sucessor.
Entretanto, a revolta dos conservadores adensa-se e Nicolas Watts, editor de política da BBC, escreveu na rede social Twitter que sabe de reuniões entre conservadores que visam pressionar Truss para se demitir. Segundo Watts, este grupo de conservadores é “um grupo sério” e “será difícil à primeira-ministra resistir à pressão”.
Resta saber a extensão da inversão de marcha que Truss vai anunciar esta tarde. Os jornalistas britânicos dizem ter informações de que terá sido a discrepância entre as mudanças que a líder deseja e as que o ministro estava disposto a aceitar que ditaram o seu afastamento.
Curiosamente, as mudanças que terão de ser feitas aproximam Truss das propostas de Rishi Sunak, a quem derrotou no verão e que defendia rigor orçamental, mais do que das ideias de Hunt, o homem que escolheu para substituir Kwarteng.
Hunt defendeu, ao concorrer há três meses à chefia do partido e do Executivo, que o IRC descesse para 15%. Ou seja, ainda era mais radical do que Kwarteng, que apenas quis manter a taxa nos 19% em vez de a aumentar para 25%, como defendia Sunak quando ainda era ministro das Finanças de Boris Johnson.
O recém-demitido também prometeu reverter o recente aumento das contribuições para a Segurança Social, adotado por Sunak. Kwarteng também garantira que ia baixar os impostos sobre o rendimento já em abril e, ao apresentar o seu documento, afirmou que os limites aos prémios das administrações dos bancos iriam desaparecer.
Informações que circulam nos jornais do Reino Unido convergem num ponto: Kwarteng queria mesmo abandonar o plano de cortar o IRC, deixando-o subir para 25%, mas Truss não quis tamanha reviravolta, que contrariaria as suas promessas de campanha. Sempre defendeu que a economia só cresce se os impostos descerem.
Pequeno problema: o Estado tem cada mais despesa, nomeadamente com os apoios que tem de dar aos mais desfavorecidos que não conseguem pagar as contas de energia. Uma das questões que se coloca perante as medidas de Kwarteng é: como financiar tanta borla fiscal? Críticos do Governo temiam que a tesoura de Truss e Kwarteng tivesse por alvo as prestações sociais, já muito reduzidas ao longo de 12 anos de governos conservadores.
Se o grupo parlamentar conservador se virar mesmo contra Truss, esta poderá ter de se afastar. Formalmente não há meio de os deputados a forçarem a sair, pois qualquer novo líder goza de um ano sem a possibilidade de moções de censura internas.
Mas a verdade é que nenhum primeiro-ministro britânico resiste à revolta dos seus deputados, se uma maioria destes o quiser ver pelas costas. Johnson e Theresa May, antecessores de Truss, tomaram a iniciativa de renunciar quando se tornou claro que havia gente suficiente disposta a alterar as regras para os demitir, mesmo depois de terem vencido votações de moções de censura internas.
Outro problema é que dificilmente o país aguenta nova eleição interna no Partido Conservador como a última, que durou dois meses. Jornais britânicos alvitram uma possível substituição de Truss por consenso, com uma candidatura única ao cargo. Circulam nomes como Michael Gove, que foi governante com Johnson, ou de adversários derrotados por Truss, como Sunak ou Penny Mordaunt.
Ainda assim, seria politicamente delicado (embora legalmente possível) o Partido Conservador designar um terceiro primeiro-ministro desde as últimas legislativas sem chamar os britânicos às urnas. A oposição já exige eleições antecipadas. Ainda esta sexta-feira o líder dos Liberais Democratas, Ed Davey, reiterou essa reivindicação.
Pelos trabalhistas falou a ministra-sombra das Finanças, Rachel Reeves. “Mudar de ministro não desfaz o mal que já foi feito. Esta é uma crise feita em Downing Street. Liz Truss e os conservadores destruíram e economia, fazendo disparar as prestações das casas, e minaram a reputação do Reino Unido na cena mundial. Não precisamos apenas de mudar de ministro, precisamos de mudar de Governo”, afirmou.
Johnson foi eleito líder dos tories em julho de 2019, ascendendo imediatamente à chefia do Executivo. Mas, ainda no processo de saída da União Europeia, convocou eleições antecipadas para dezembro de 2019, que venceu com maioria absoluta folgada.
Truss foi escolhida pelos militantes conservadores, que a preferiram a Sunak, depois de o grupo parlamentar ter reduzido a estes dois um rol inicial de oito candidatos. No início a mulher que acabou por vencer só reuniu o voto de 50 dos mais de 300 parlamentares tory. E acabou eleita por 81 mil militantes, num país com 67 milhões de cidadãos. A questão da representatividade do eleitorado está em cima da mesa.
A primeira-ministra pode convocar legislativas, uma prerrogativa do chefe do Governo. Acontece que as sondagens são terríveis para os conservadores, que nos mais recentes estudos estão 30 pontos percentuais abaixo da oposição trabalhista nas intenções de voto.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes