O ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parece estar disposto a liderar um grupo para negociar um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, pelo menos segundo uma série de publicações suas na rede social “Truth Social”, concebida por Trump como uma alternativa conservadora ao Twitter.
Na quarta-feira, dia 28, o 45.º Presidente dos EUA começou por mencionar as fugas de gás recentemente detetadas nos gasodutos Nord Stream 1 e 2, muito perto do território marítimo da Dinamarca e Suécia, que tanto a União Europeia como a NATO alegam terem sido “intencionais” e resultado de “sabotagem” por parte da Rússia.
“Estão todos a falar do grande furacão que se abateu sobre a Florida, como deveria ser, mas talvez um acontecimento muito mais importante a longo prazo tenha sido o anúncio de que os Gasodutos Nord Stream 1 e 2 foram SABOTADOS”, disse, referindo-se ao furacão Ian, que já obrigou à retirada de cerca 2,5 milhões de pessoas do sudoeste do estado da Florida. “Isto pode levar a uma enorme escalada, ou GUERRA”, clamou. Pelo meio, congratulou-se por ter “trazido à atenção do mundo” os perigos da dependência europeia em relação ao gás russo.
Numa segunda publicação, voltou à carga: “A catástrofe Rússia/Ucrânia definitivamente não teria acontecido se eu fosse Presidente”. Para Trump, os EUA têm de ser “estratégicos, inteligentes (brilhantes!)” e "alcançar um acordo negociado AGORA". Será Donald Trump a pessoa ideal para liderar essas negociações? O ex-Presidente acha que sim, terminando a sua declaração da seguinte forma: “O mundo inteiro está em jogo. Será que vou liderar o grupo???”
Steve Benen, analista político no canal norte-americano MSNBC, não concorda, gracejando com as pretensões diplomáticas daquele que foi o único Presidente norte-americano a ser por duas vezes vítima de um processo de ‘impeachment’: “Vou arriscar bastante e prever que a administração [do Presidente] Biden não falará com Trump assim tão cedo”.
De facto, as declarações reavivaram más memórias relativas não só à relação tumultuosa entre Trump e a Ucrânia, mas também à sua aparente incapacidade de enfrentar e contrariar Vladimir Putin, Presidenta da Rússia, a quem já chamou “genial” e “sagaz”, referindo-se às justificações invocadas pelo líder do Kremlin para invadir o seu vizinho a oeste.
Começando pela Ucrânia. Em 2019, altura em que os democratas davam ainda os primeiros passos rumo às eleições presidenciais de 2020, Trump arquitetou um esquema para ganhar vantagem face ao então favorito à nomeação pelo seu partido opositor - Joe Biden, o atual Presidente dos EUA.
O plano sustentava-se numa chantagem: Trump estava disposto a reter apoios militares e financeiros ao Governo ucraniano se Volodymyr Zelensky não lhe facultasse informações sobre os negócios alegadamente corruptos de Hunter Biden, filho de Joe Biden, na Ucrânia. A conversa entre os dois chefes de Estado, que veio a público após uma denúncia de um responsável dos serviços-secretos norte-americanos, desencadeou o primeiro processo de ‘impeachment’ do então Presidente americano, que terminou sem sucesso no Senado.
Já a tentativa de intervenção russa nos destinos políticos dos EUA é há muito conhecida. Chegou a ser investigada oficialmente entre 2017 e 2019, quando o procurador-especial Robert Mueller tentou averiguar a extensão da influência russa no desfecho da eleição de 2016, mas o resultado não foi conclusivo.
Certo é que Trump sempre se mostrou disposto a elogiar a liderança firme do Kremlin - e o próprio Putin pessoalmente. Tal como não se exime de criticar a NATO, organização da qual ameaçou sair caso os restantes países-membros não contribuíssem o suficiente em termos militares e financeiros. Fica por saber a sua verdadeira convicção acerca desta guerra, já que a usa sobretudo como arma de arremesso política contra Joe Biden, dizendo regularmente que o atual Presidente não tem capacidade para a resolver.
Quanto aos contornos de um eventual quadro diplomático que leve a uma solução pacífica para o conflito, Trump ainda não deu muitas pistas. A única solução que já avançou gerou perplexidade e deixou muitos analistas a perguntarem-se se estaria a falar a sério: que tal se os Estados Unidos colocassem bandeiras da China nos seus aviões de guerra e atacassem a Rússia diretamente? “Depois dizemos que foi a China que atacou, e eles começam a lutar uns com os outros e nós sentamo-nos e observamos”, afirmou num discurso em 6 de março deste ano.
Texto de José Gonçalves Neves, editado por Cristina Pombo
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