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Massacre de Tiananmen, 33 anos depois: símbolos e memórias resistem à censura

Massacre de Tiananmen, 33 anos depois: símbolos e memórias resistem à censura
Archive Photos/Getty Images

Neste sábado, 4 de junho, assinalam-se 33 anos desde que o exército chinês disparou sobre os estudantes que se manifestavam na Praça Tiananmen, em Pequim. Mas os anos de censura às referências deste massacre não afastaram iniciativas que dão a conhecer aquilo que aconteceu

Massacre de Tiananmen, 33 anos depois: símbolos e memórias resistem à censura

Salomé Fernandes

Jornalista da secção internacional

“O governo chinês deve reconhecer e assumir responsabilidades pela execução em massa de manifestantes pró-democracia”, apelou esta quinta-feira a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), em comunicado. O silenciar da memória do massacre de Tiananmen não é apenas dirigido a ativistas – os espaços e obras evocativos da data também perderam lugar. Mas há símbolos que resistem.

As universidades de Hong Kong removeram memoriais de Tiananmen, entre eles a escultura “Pillar of Shame” (Pilar da Vergonha). A obra que estava exposta na Universidade de Hong Kong desde 1997, do artista dinamarquês Jens Galschiot, foi retirada em dezembro. Apesar de lamentar a retirada da estátua, que comemorava as vítimas do massacre de Tiananmen, Jens Galschiot – que diz que todas as pessoas de Hong Kong que conhece estão na prisão ou saíram da cidade – não se mostra surpreendido com a decisão. “Sabia que um dia o iriam tirar. O Pillar of Shame ainda esteve lá muito tempo depois de prenderem pessoas. Era o último símbolo de Hong Kong ser um sítio diferente da China Continental”, disse.

Os corpos empilhados que definem os contornos da estátua estão agora ocultos do olhar dos mais curiosos, num contentor na universidade que ninguém aceita transportar. Galschiot explica que tem a autorização para levar a estátua para a Europa – mas as dificuldades práticas têm impedido essa mudança.

“Temos um grande problema porque todas as pessoas a quem pedimos para nos ajudar a retirá-la, como empresas de transporte, dizem que não querem transportar a escultura porque isso pode levantar conflitos com as autoridades de Hong Kong e com a nova lei de segurança nacional”, disse ao Expresso, num telefonema. “É uma situação estranha para nós e é ainda pior porque mostra muito do ambiente em Hong Kong neste momento”, acrescentou.

O escultor abdicou dos seus direitos de autor depois de pedidos de cópias da estátua. A restrição da obra em Hong Kong tem levado à sua proliferação no exterior. Foi recentemente erguida uma réplica do Pillar of Shame em Oslo, e o artista indica que o mesmo vai suceder em Praga.

Museu virtual

A Universidade Chinesa de Hong Kong e a Universidade Cidade de Hong Kong também removeram estátuas da “Goddess of Democracy” (Deusa da Democracia), a par de um mural na Universidade de Lingnan – que justificou a medida dizendo que acarretava “riscos legais e de segurança”. O museu de 4 de junho foi alvo de uma rusga policial já depois de ter fechado.

Fengsuo Zhou, líder estudantil do movimento de 1989, que vive agora nos Estados Unidos, criou na cave da sua casa uma exposição relativa ao 4 de junho. É presidente da associação China Humanitária, através da qual dá apoio às famílias das vítimas do massacre. “Outro trabalho importante para mim, enquanto sobrevivente do massacre de Tiananmen, é contar a verdade, manter as memórias vivas. Por isso, tenho colecionado estes [objetos], quase antiguidades, para lembrar as pessoas, provas físicas do que aconteceu. Esta exposição é um resultado disso”, descreve.

Não está aberta ao público sem ser virtualmente – apesar de ter convidado amigos para visitar a exposição e realizado uma cerimónia de abertura –, mas há planos para construir um museu com uma base permanente. “Há alguns projetos a decorrer. Um é que estamos no processo de construir um museu no Liberty Sculpture Park, no sul da Califórnia, no deserto”, disse Zhou, apontando que está previsto ficar completo em 2014. E há também uma angariação de fundos a decorrer para abrir um museu em Nova Iorque.

“Os ativistas de Hong Kong estão agora a ser presos por comemorarem o aniversário do massacre de Tiananmen”, disse Yaqiu Wang, investigadora sénior sobre a China na HRW, citada em comunicado.

Zhou integrou uma lista de pessoas procuradas por Pequim no seguimento dos protestos e esteve um ano na prisão, marcado pela fome e pelo frio. “Estava consistentemente com fome. Durante os primeiros três meses estive algemado o tempo todo”, descreveu. Findo esse ano, não teve liberdade imediata porque as autoridades consideraram que não tinha mudado o suficiente. “Disseram-me que não podia regressar aos estudos, fui enviado para o exílio num sitio muito remoto durante três anos”, conta.

O sobrevivente atribui a ausência de um pedido de desculpas do governo com a necessidade de manter o controlo. “Acreditam que quem controla o passado controla o futuro”, diz. “Foi a primeira vez que o mundo viu como o povo chinês se pode expressar coletivamente, livre de manipulação do governo e demonstrar ao mundo que o povo chinês ama a liberdade, a democracia e está disposto a sacrificar-se por isso”, acrescentou.

Além fronteiras

Este sábado assinala-se o 33º aniversário do massacre. Segundo a HRW, na China continental a aproximação da data é marcada por restrições aos movimentos e comunicações a membros do grupo Mães de Tiananmen, de familiares das vítimas e a vários ativistas. A organização estabelece ainda uma relação entre o atenuar de restrições impostas para prevenção da epidemia nas universidade de Pequim e a data do massacre, apontando foi para “evitar a possibilidade de os protestos quanto às medidas de controlo do vírus sejam ligadas ao aniversário de Tiananmen”.

As limitações em Hong Kong também são denunciadas pela HRW. “Os ativistas de Hong Kong estão agora a ser presos por comemorarem o aniversário do massacre de Tiananmen”, disse Yaqiu Wang, investigadora sénior sobre a China na HRW, citada em comunicado. A organização dá o exemplo da advogada de direitos humanos Chow Hang-tung, condenada em janeiro deste ano a 15 meses de prisão por participar e incitar outros a participarem na vigília de 2021 – que foi banida pelas autoridades locais. “Mas se a história serve de guia, a repressão do Presidente Xi Jinping não vai apagar a memória de Tiananmen das mentes do povo chinês”, acrescentou Wang.

Mas há registo de que as tentativas de restringir celebrações se alargam a outras áreas geográficas. Em 2020, a plataforma de videoconferências Zoom bloqueou temporariamente a conta de Zhou, que a usou para organizar uma comemoração da data.

O Departamento de Justiça americano acusou um executivo da Zoom de conspiração para censurar reuniões por vídeo que comemoravam a data do massacre. Xinjiang Jin, conhecido como ‘Julien Jin’, é acusado de trabalhar com o governo da China e serviços de inteligência chineses para ajudar a “silenciar o utilizadores com discurso político e religioso” e de ajudar as autoridades chinesas a “censurar e punir o discurso político de utilizadores dos Estados Unidos meramente por exercerem os seus direitos de liberdade de expressão”.

“Nenhuma empresa com interesses de negócio significativos na China está imune ao poder coercivo do Partido Comunista Chinês”, disse o procurador-geral adjunto da Segurança Nacional, John C. Demers, em comunicado.

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