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Fotografias de Boris Johnson em festa que o próprio negou ter acontecido reforçam ideia de que mentiu ao Parlamento

Apelo à demissão do primeiro-ministro durante um protesto em maio de 2022, em Londres
Apelo à demissão do primeiro-ministro durante um protesto em maio de 2022, em Londres
Vuk Valcic/SOPA Images/LightRocket/Getty Images

Canal ITV exibe imagens do primeiro-ministro britânico a beber numa festa de despedida de um funcionário em Downing Street, em 2020, quando os ajuntamentos eram proibidos por causa da pandemia. Johnson afirmara não estar a par de qualquer festa

Fotografias de Boris Johnson em festa que o próprio negou ter acontecido reforçam ideia de que mentiu ao Parlamento

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

São quatro fotos e nem sequer aparecem completamente de surpresa. Esta segunda-feira de manhã Dominic Cummings, antigo chefe de gabinete de Boris Johnson que agora parece odiar o primeiro-ministro do Reino Unido, assegurara no seu blogue que iam ser divulgadas imagens que provam que mentiu ao dizer que não sabia que houvera festas nas instalações do seu Governo. O caso é conhecido como Partygate.

Nas fotos divulgadas na tarde de 23 de maio pelo canal ITV News, Johnson surge a erguer o copo aparentando discursar num brinde, a 13 de novembro de 2020, quando vigoravam regras a proibir eventos sociais. Sobre a mesa há garrafas de bebidas alcoólicas (vinho, espumante e gim) e acepipes vários.

Estava-se na despedida de Lee Cain, que deixava o cargo de diretor de comunicações do n.º 10 de Downing Street. Há pelo menos oito pessoas na imagem, mas a ITV assegura que houve mais gente a participar na festa. Nesta altura só podiam estar juntas duas pessoas que viessem de agregados familiares diferentes. Oito dias antes as regras sanitárias tinham sido agravadas devido a um aumento de casos de covid-19.

À espera do relatório de Sue Gray

A revelação aquece os ânimos na semana em que está prevista a publicação do relatório da funcionária Sue Gray sobre as violações de regras durante a pandemia na residência oficial e noutras instalações do Executivo. Um resumo preliminar criticava a falta de disciplina reinante.

Gray teve de esperar até que a Polícia Metropolitana de Londres terminasse a sua própria investigação, para evitar quaisquer interferências. A polícia multou Johnson (e a sua mulher Carrie, entre outros) por outra festa, a do seu aniversário em 2020, mas não pela que é exibida nas imagens da ITV.

A importância destas fotos é, sobretudo, tornarem pouco credíveis as juras repetidas do governante conservador de que nunca esteve a par de quaisquer violações de regras. Mentir ao Parlamento é, pela convenção britânica, motivo de demissão de membros do Governo. Uma comissão parlamentar irá investigar que sabia Johnson e se enganou os deputados.

“Todas as orientações foram completamente cumpridas no n.º10”, afirmou em dezembro passado na Câmara dos Comuns. O Executivo tem alegado que não se tratava de festas, mas de reuniões de trabalho. Vários funcionários foram afastados devido à controvérsia.

Uma semana depois, o primeiro-ministro voltou a assegurar aos deputados: “Deram-me repetidas garantias, desde que surgiram estas alegações, de que não houve festa nem violação de regras da covid”. Embora tenha pedido desculpa por um vídeo em que membros do seu gabinete gozavam com as regras, afirmou no mesmo dia, em Downing Street: “Todos os indícios que vejo indica que neste edifício as pessoas seguiram as regras”.

Nesse mesmo dia 8 de dezembro, a deputada trabalhista Catherine West perguntou ao primeiro-ministro se houvera uma festa em Downing Street a 13 de novembro de 2020. A resposta foi: “Não, mas estou certo de que, o que quer que tenha acontecido, as orientações foram seguidas e as regras foram respeitadas em todos os momentos”.

“Fogueira da decência”

“O Conselho de Ministros e a Polícia Metropolitana tiveram acesso a toda a informação relevante durante as suas investigações, incluindo fotografias”, reagiu um porta-voz de Johnson esta segunda-feira, após a notícia da ITV. O governante não falará antes da divulgação do relatório de Gray.

O jornal “The Guardian” admite que Johnson argumente que não se tratou de uma festa planeada, apenas de um copo ao fim do dia, de que ele não tenha sido informado antes, mas apanhado de surpresa. É uma linha já percorrida antes por membros do Governo, incluindo o próprio para se eximir de culpas noutra festa convocada pelo seu secretário principal, que até incitou os mais de 100 convidados a trazerem bebidas.

Nesta mesma segunda-feira, o “Financial Times” publicou uma entrevista com Peter Hennessy, historiador e membro apartidário da Câmara dos Lordes, que desenvolveu a teoria de que o sistema político depende, em larga medida, do pressuposto de que os políticos se comportarão com decência.

Considerando o primeiro-ministro “o maior obstáculo” ao sistema de decência que defende, Hennessy recorda que quando Anthony Eden, primeiro-ministro nos anos 50, mentiu ao Parlamento sobre a crise do Suez, fê-lo por motivos de Estado, ainda que com base numa má avaliação sua. “Nas semanas más, tem-se a impressão de que Boris faz isso quase todos os dias”, acrescenta, acusando o chefe do Governo de promover uma “fogueira da decência”.

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