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Finlândia: seis perguntas e resposta sobre a adesão à NATO

Finlândia: seis perguntas e resposta sobre a adesão à NATO
Sean Gallup/Getty Images

A cada semana que passa acumulam-se certezas de que a Finlândia vai dar o passo de abandonar a política de neutralidade militar e apresentar um pedido de adesão à NATO. O Presidente do país disse esta quinta-feira que isso deve ser solicitado “sem demoras”, e a Rússia já ameaçou retaliar

Finlândia: seis perguntas e resposta sobre a adesão à NATO

Salomé Fernandes

Jornalista da secção internacional

A Rússia alega como um dos motivos para a invasão da Ucrânia a existência de uma “ameaça inaceitável” gerada pelo aumento de ativos militares da NATO em territórios adjacentes. Se visava travar essa tendência, a incursão teve o impacto inverso. Apesar de o Presidente da Ucrânia ter recuado quanto a uma possível adesão à NATO, a guerra levou outros países a ponderar esse caminho. A NATO escreve que “está a aumentar a cooperação” com parceiros como a Finlândia e a Suécia.

O Presidente e a primeira-ministra da Finlândia comunicaram esta quinta-feira que o país “deve solicitar a adesão à NATO sem demoras”, o que representa uma mudança significativa da política de neutralidade militar histórica que tem mantido ao longo de décadas. A Finlândia, que partilha com a Rússia uma fronteira de 1300 quilómetros, conta com maior apoio popular à adesão. É esperado que a Suécia siga os mesmos passos.

Se parece claro que a adesão da Finlândia lhe traz maior proteção, por se considerar que um ataque a um membro da NATO é um ataque a todos e isso permitir a mobilização de forças armadas, também há riscos na relação com a Rússia. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, já ameaçou retaliação e o destacamento de armas nucleares. Tentemos perceber o que está em jogo.

Porque é que a Finlândia não é membro da NATO?

O país adotou o estatuto de não alinhado na II Guerra Mundial, apesar de ter forças militares de defesa em relação à Rússia. A Finlândia tornou-se independente da Rússia em 1917 e travou duas guerras contra o vizinho durante a II Guerra Mundial. Em 1948, assinou um Acordo de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua com Moscovo, consolidando um grau de dependência económica e política que a isolou militarmente da Europa Ocidental.

Com o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética, a Finlândia saiu da sombra da Rússia e adotou meios de dissuasão militar e relações amistosas com Moscovo para manter a paz. Apesar de não ser membro da Aliança Atlântica, a Finlândia juntou-se ao programa Parceria pela Paz da NATO em 1994 e é apontada pela organização como um dos “parceiros mais ativos” e um “colaborador valorizado” em operações e missões nos Balcãs, Afeganistão e Iraque.

Qual é a vantagem de aderir à NATO?

A Finlândia manteve-se neutra durante a Guerra Fria, equilibrando relações com os dois lados, mas a invasão da Ucrânia pela Rússia, na madrugada de 24 de fevereiro, suscitou preocupações. A guerra revelou-se um ponto de viragem, ao levar tanto a Finlândia como a Suécia a considerarem um pedido de adesão à NATO.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte é uma aliança de 30 países unidos por um acordo de “defesa coletiva”, cujo artigo 5.º prevê que um ataque a um dos membros seja considerado um ataque a todos. Se aderir à NATO, a Finlândia passa a estar abrangida por esta garantia coletiva de que em caso de agressão externa cada nação deve tomar as medidas necessárias, incluindo o uso de forças armadas, para restaurar e manter a segurança da área de todos os países aliados.

As vantagens de uma adesão não são apenas para a Finlândia. O diretor de política externa no Centro para a Reforma Europeia disse ao think tank Carnegie Europe que “tudo o que dificulte ameaças de Putin a mais países europeus deve ser visto como útil”. Ian Bond descreve que a NATO ter acesso garantido a território finlandês reduziria as hipóteses de ataque bem-sucedido da Rússia, cuja posição ficaria “significativamente fragilizada” no nordeste da Europa.

Em que ponto está a decisão?

Esta quinta-feira o Presidente e a primeira-ministra da Finlândia anunciaram o seu apoio à adesão. A decisão deve ser formalmente anunciada no domingo. O Parlamento finlandês iniciou o debate sobre a adesão em abril, depois de a invasão da Ucrânia provocar um aumento do apoio político e da opinião pública a essa via. Em semanas, o apoio dos finlandeses à adesão, que estava nos 20-30% há décadas, mais do que duplicou, ultrapassando os 60%.

Embora a adesão costume demorar meses ou anos, já que os candidatos têm de passar por discussões formais com os líderes da NATO e obter aprovação unânime, é provável que o processo finlandês seja mais rápido e facilitado. O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, referiu que o país cumpre os padrões em termos de “controlo político, democrático e civil sobre as instituições de segurança e as forças armadas”.

Que impacto pode ter a adesão da Finlândia e da Suécia?

A adesão da Finlândia pode ajudar a Suécia – que já está a ponderar aderir – a decidir no mesmo sentido. A ministra dos Negócios Estrangeiros sueca, Ann Linde, disse no Twitter que o país vai ter em conta a decisão de Helsínquia.

Kimmo Rentola, professor de História Contemporânea na Universidade de Helsínquia e investigador nas áreas das relações Finlândia-Rússia e Guerra Fria, afirmou que, provavelmente, a maioria dos suecos “preferiria uma solução em que os dois países tomassem a mesma decisão”.

Os Estados-membros seguem todos o mesmo modelo?

Não, a Noruega tem um estatuto diferente que poderá ser seguido pela Finlândia. Embora tenha sido membro fundador da NATO, decidiu não virar costas por completo a Moscovo, ao não permitir bases militares estrangeiras e armas nucleares no seu território, além de impor limitações aos exercícios da organização.

Mantém o modelo mais suave de participação. Um responsável finlandês citado pela revista Foreign Policy admitiu em abril que o “modelo da Noruega” está a ser ponderado. A seu ver, a Finlândia “não precisa desesperadamente de bases estrangeiras, porque tem as suas próprias”.

Embora as forças armadas finlandesas sejam menores do que as das principais nações europeias da NATO como o Reino Unido, a França ou a Alemanha —, a sua longa preparação contra uma eventual agressão russa tornou o país um dos mais poderosos em termos de artilharia, vigilância do espaço aéreo e prontidão de mísseis.

Como vê a Rússia uma adesão dos dois países escandinavos à NATO?

Apenas 6% da fronteira da Rússia é com Estados-membros da NATO, mas o Presidente russo considera a expansão da Aliança Atlântica uma ameaça para o seu país, tanto que a vontade da Ucrânia em aderir à NATO foi um dos motivos que invocou para justificar a invasão do país vizinho.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, diz que a confirmação do pedido de adesão à NATO por parte da Finlândia é “definitivamente” uma ameaça à Rússia e uma “razão para uma resposta simétrica”. O ex-Presidente Dmitry Medvedev também ameaçou o destacamento de armas nucleares.

Será necessário reforçar o agrupamento de forças terrestres, defesa antiaérea, destacar forças navais significativas nas águas do Golfo da Finlândia. E, então, já não poderemos falar de um Báltico sem armas nucleares. O equilíbrio deve ser restabelecido”, disse em abril, perante um cenário de adesão da Suécia e da Finlândia. Moscovo já advertiu que isso terá consequências para a Finlândia e a Suécia e para a segurança europeia.

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