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Boris Johnson multado por causa das festas ilegais em Downing Street

Numa visita à cidade de Holyhead, no País de Gales, Johnson levanta os polgares para dizer que está tudo bem. É mesmo assim? Foto: Getty Images
Numa visita à cidade de Holyhead, no País de Gales, Johnson levanta os polgares para dizer que está tudo bem. É mesmo assim? Foto: Getty Images

Primeiro-ministro britânico, a sua mulher e o ministro das Finanças estão entre os autuados pela polícia por violação das regras sanitárias durante a pandemia. Antes da guerra na Ucrânia, uma eventual multa era vista como motivo de demissão de Boris Johnson, mas o mundo mudou muito desde então

Boris Johnson multado por causa das festas ilegais em Downing Street

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

O chefe do Governo britânico e o seu ministro das Finanças estão entre cerca de 50 indivíduos a quem a polícia metropolitana de Londres impôs multas por violação das regras que vigoraram para travar a propagação da covid-19, anunciou esta terça-feira o gabinete de Boris Johnson. Em causa estão festas realizadas nas dependências do Executivo em períodos de confinamento, nomeadamente no aniversario de Johnson em 2020. A mulher deste, Carrie, também foi autuada.

Em reação à notícia, o líder do maior partido da oposição exigiu a demissão quer de Johnson quer do titular das Finanças, Rishi Sunak. “Violaram a lei e mentiram repetidas vezes ao povo britânico”, justifica o trabalhista Keir Starmer. O primeiro-ministro afirmou várias vezes nos últimos meses não ter estado em festas ilegais, ou não saber que eram ilegais. Downing Street reserva comentários para mais tarde.

“Estas multas mostram quão errado esteve o primeiro-ministro ao fingir perante o país — esperando que nunca se descobrisse — que nada acontecera em sua casa ou no seu local de trabalho que infringisse a lei. Agora sabemos que houve criminalidade disseminada”, critica Starmer.

“Não tem autoridade para governar”, sentencia o trabalhista. “Não se pode pedir ao país que cumpra as muito difíceis regras da covid enquanto se viola as mesmas em casa e no local de trabalho.”

O liberal democrata Ed Davey, líder de outro partido opositor, escreveu na rede social Twitter que Johnson chefia “um Executivo em crise que negligencia um país em crise”. A seu ver, o Parlamento deve suspender a pausa de Páscoa para votar uma moção de censura.

Guerra fez esquecer escândalo das festas

O escândalo conhecido como “Partygate” fez correr tinta e levou vários deputados do Partido Conservador a pedir a cabeça do próprio chefe, enviando cartas de censura a Johnson ao comité do grupo parlamentar encarregue dos assuntos da liderança. No entanto, a invasão da Ucrânia pela Rússia fez o assunto passar para segundo plano e houve quem voltasse atrás nas críticas ao primeiro-ministro. O próprio Sunak foi notícia nos últimos dias por negócios familiares e não pelas festas pandémicas.

Acontece, porém, que muitos dos conservadores se abstiveram de condenar Johnson por quererem aguardar o fim do inquérito policial. É preciso ver que reação terão agora.

O editor de política do canal ITV escreveu uma sequência de tweets a alertar para a gravidade do momento. Um primeiro-ministro mentir ao Parlamento é motivo de demissão, ao abrigo do Código de Conduta Ministerial. “É, talvez, o mais importante teste à robustez eficácia aos freios e contrapesos constitucionais britânicos na minha vida”, comenta.

Se os deputados conservadores mantiverem Johnson no cargo sem uma avaliação adequada e pública de como o Parlamento foi enganado, por ser o que lhes convém, avisa, qualquer Governo com uma maioria confortável passará a ser “uma ditadura eleita”. “O que decidirem definirá a sua reputação e a do partido”, concorda Gavin Barwell, que foi chefe de gabinete de Theresa May, antecessora de Johnson e sua feroz crítica.

Para a organização Famílias Enlutadas da Covid-19 pela Justiça, “não há simplesmente forma de o primeiro-ministro e o ministro das Finanças continuarem” nos cargos. “Se tivessem decência, saíam já esta noite”, afirmou um porta-voz. “Ainda é inacreditavelmente doloroso saber que o primeiro-ministro esteve em festas e a violar as suas próprias regras de confinamento enquanto nós não podíamos estar ao lado dos nossos entes queridos, ou em funerais miseráveis com meia dúzia de pessoas, por estarmos a cumprir essas regras”, prosseguiu Lobby Akinnola, que perdeu o pai para o coronavírus.

Idêntica posição tem Nicola Sturgeon. A chefe independentista do governo autónomo da Escócia repete o apelo à renúncia de Johnson, acusando-o de ter “mentido repetidamente ao Parlamento” e invocando “valores básicos de integridade e decência, essenciais ao bom funcionamento de qualquer democracia”. A seu ver, Sunak deve ir atrás.

O anúncio do gabinete de Johnson não especifica que ocasiões justificam as multas aplicadas. Sabe-se que Sunak esteve numa festa de aniversário do primeiro-ministro, em junho de 2020, organizada por Carrie Johnson. Houve comes e bebes e fotógrafo, numa altura em que festavam proibidos ajuntamentos fora do agregado familiar.

Noutro dia, um secretário do chefe do Executivo convidou mais de 100 pessoas para um convívio, pedindo-lhes que trouxessem as suas bebidas alcoólicas. E na véspera do funeral do príncipe Filipe, marido da rainha Isabel II, vários funcionários compraram bebidas num supermercado próximo, dançaram e até partiram o baloiço de um filho de Johnson.

Demissão é tudo menos certa

O jornal “The Guardian” tenta perspetivar os efeitos do anúncio das multas, mas não dá por certo que o primeiro-ministro venha a cair. E aponta quatro reservas: Johnson e Sunak ainda não comentaram o caso e podem até contestar as multas; o titular das Finanças tem outras polémicas às costas e mesmo que se demita, a decisão pode ficar associada a essas e não às festas que envolvem Johnson; os deputados conservadores podem não querer derrubar o líder com uma guerra a acontecer na Europa e a semanas de eleições locais no Reino Unido, mesmo que considerem dever fazê-lo por questão de princípio; caso avançassem para uma moção de censura, não é líquido que a mesma fosse aprovada.

Um dos deputados que já este ano pediram o afastamento de Johnson acredita agora que seria inoportuno. “Claro que é grave. Continuo a pensar que é mesmo muito grave o primeiro-ministro ter efetivamente enganado a Câmara dos Comuns, mas estamos no meio de uma crise internacional e não estou disposto a dar a Vladimir Putin o conforto de pensar que estamos prestes a derrubar o primeiro-ministro do Reino Unido e desestabilizar a coligação contra ele”, explicou Roger Gale.

“Qualquer reação a isto terá de esperar até termos resolvido a crise principal, que é a Ucrânia e o Donbas”, acrescentou. Sublinhou, porém, que não crê que Johnson dure até ao fim da legislatura, em 2024.

Para levar a votos entre a bancada conservadora a permanência ou não do primeiro-ministro no cargo, é preciso que 15% dos respetivos membros apresentem cartas nesse sentido. Quem as recebe é o deputado Graham Brady, chefe do Comité 1922, que reúne parlamentares conservadores sem funções executivas e supervisiona o processo. Só revela o número de cartas enviadas quando é atingido o limiar, presentemente de 54 deputados.

Mesmo que esse número seja alcançado, segue-se uma votação de todos os deputados. O primeiro-ministro só cai se mais de metade assim se pronunciar. No meio da guerra, com os trabalhistas a subir nas sondagens, sem sucessor óbvio para Johnson (um putativo delfim era Sunak, mas as últimas semanas foram-lhes aziagas), é de duvidar que os tories queiram abrir a caixa de Pandora.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt

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