Internacional

Quadro de Kandinsky vai ser devolvido a família de judeu que teve de o vender em 1940

"Pintura com casas", de 1909, atualmente exposto no museu Stedelijk
"Pintura com casas", de 1909, atualmente exposto no museu Stedelijk

A decisão tomada pelo município de Amesterdão é o resultado de uma mudança nos critérios adotados em casos desse tipo. Desaparece o chamado "equilíbrio de interesses"

Luís M. Faria

Jornalista

Porque é que a cidade de Amesterdão decidiu restituir um valioso quadro do pintor russo Vassili Kandinsky à família do seu antigo proprietário, um judeu que fugiu do país durante a II Guerra Mundial, após travar durante anos uma batalha para evitar essa restituição, e para mais tendo obtido ganho de causa num tribunal o ano passado? A justificação formal é uma alteração nos critérios usados em situações semelhantes.

Até agora, a comissão encarregue de avaliar esses casos aplicava um critério - o do "equilíbrio de interesses" - que formalmente procurava conciliar os vários valores em jogo. Na prática, em muitos casos esse critério favorecia as instituições (normalmente museus) que atualmente detêm as obras. Em 2018, segundo a Reuters, a disputa em torno do quadro, intitulado "Pintura com casas" (1909), que se encontra no museu Stedelijk, foi apresentada como prova das deficiências da regulamentação holandesa pelos representantes de duas organizações que defendem a restituição de propriedade roubada durante a guerra.

Agora, em princípio, as coisas mudam. Na sequência de um reexame da política oficial levado a cabo por iniciativa governamental, um relatório concluiu que se devia assumir a "despossessão" como voluntária se tivesse tido lugar após 10 de maio de 1940. Foi que aconteceu com o tal quadro de Kandinsky, vendido após essa data por Emanuel Lewenstein, um comerciante de máquinas de costura que teve de o vender depois de deixar o país, em 1939. (A Holanda, note-se, foi o país ocupado pelos nazis onde uma maior percentagem de judeus foram deportados para campos de extermínio. Três quartos dos judeus no país terão morrido dessa forma, segundo informações em annefrank.org).

Em termos gerais, em lugar do "equilíbrio de interesses" entre o valor da obra para um museu e a justiça devida à família que anteriormente a detinha - uma justiça, por sua vez, ligada às circunstâncias em que o proprietário original teve de se desfazer dela - apenas esta última passa a ser tida em consideração. E desaparece a diferença que havia entre as situações em que uma obra de arte foi confiscada e aquelas em que o proprietário se viu obrigado a vendê-la.

Numa declaração conjunta, o presidente da câmara de Amesterdão e o seu vice com responsabilidades na área da cultura, citados pelo theartnewspaper.com, explicaram: "Temos uma história enquanto cidade, e com isso vem uma grande responsabilidade de lidar com a injustiça e o sofrimento irreparável infligidos à população judaica durante a II Guerra Mundial. A cidade defende uma política de restituição justa e clara, devolvendo tanta arte pilhada quanto possível aos seus justos proprietários ou aos herdeiros dos proprietários".

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