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Reportagem em Moçambique: Cabo Delgado. Uma guerra a todo o gás

Destruição Aos poucos, a população começa a regressar a Palma, a vila no norte de Moçambique que fica mais perto do complexo de exploração de gás, e que foi destruída no final de março por um ataque dos grupos insurgentes
Destruição Aos poucos, a população começa a regressar a Palma, a vila no norte de Moçambique que fica mais perto do complexo de exploração de gás, e que foi destruída no final de março por um ataque dos grupos insurgentes

O ataque à vila de Palma, paredes-meias com o gigantesco complexo de gás natural, fez virar os olhos do mundo para o norte de Moçambique. O Expresso e a SIC estiveram quase duas semanas numa província que vive aterrorizada com a violência dos insurgentes. Passaram três anos e meio desde o primeiro golpe. Os mortos são mais de 2500. Os deslocados, para cima de 700 mil

Reportagem em Moçambique: Cabo Delgado. Uma guerra a todo o gás

Ricardo Marques

Com Luís Garriapa e Rafael Homem (SIC)

O universo de Anastácia é do tamanho dos braços da avó. Os olhos mal se abrem e os pés espreitam irrequietos por entre os tons laranja do pano que a embrulha. Há um mar de cor à sua espera. É castanho como a terra e o pó que o vento levanta. Verde como a copa da árvore que lhe dá a sombra. É branco como as lonas que fazem o telhado das cabanas. E como as nuvens no céu. Mas também é negro como os corvos que voam por perto, cinzento como as poças infestadas de mosquitos. É azul como a capulana da avó e tão amarelo como a fita que ela traz à cabeça. E os chinelos gastos do miúdo que as olha. Anastácia, a menina que o colo e o calor embalam, é demasiado frágil para o mundo em guerra que a recebe no primeiro dia de vida.

A bebé não chora, ao contrário do que o tio acabara de jurar minutos antes, mas não faltam lágrimas à sua volta. Tantas que há quem já nem as tenha, e talvez por isso fique com a vista turva e incapaz de ver ao longe. Lurdes Assani, que fugiu da guerra, diz que é como ter “uma cacimba no olhar”. A falta de nitidez no esboço do futuro, demasiado carregado pelos tons sombrios do presente, é um problema sério em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Pode começar aqui mesmo, numa aldeia perto de Metuge, no chão onde se senta Lurdes, que tem três filhos e quatro netos. O mesmo onde está a avó de Anastácia. Em que centenas de milhares de deslocados esperam por nada depois de terem perdido tudo. É o chão de Montepuez, de Mueda, de Pemba, de Nangade, da Namuno e de Balama e de tantos outros distritos.

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