Há 306.350 portugueses inscritos para residência pós-Brexit. Secretário de Estado britânico diz ao Expresso que espera muitos mais
A pastelaria portuguesa "Belém", no sul de Londres. Só trabalhadores qualificados que consigam garantir um salário de mais de 30 mil euros anuais (26.500 libras) poderão ter hipótese de trabalhar no Reino Unido agora que o Brexit se concretizou
Richard Baker/Getty Images
Todos os cidadãos que tenham chegado ao Reino Unido até dia 30 de dezembro de 2020 podem ter acesso ao estatuto de “residente estabelecido”. Mais de 306 mil portugueses já o pediram. Para quem quiser trabalhar em solo britânico em 2021, o sistema muda por completo. “Vamos avaliar as inscrições de cada pessoa segundo o que tem para nos oferecer, não segundo o tipo de passaporte que tem”, diz, em entrevista ao Expresso, o responsável pela Imigração no Governo britânico, Kevin Foster
Já há cinco milhões de europeus inscritos no regime de residência que vigora no Reino Unido após o ‘Brexit’, e 306.350 têm nacionalidade portuguesa. Os números foram divulgados ao Expresso, numa entrevista telefónica, por Kevin Foster secretário de Estado da Imigração britânico.
O membro do Governo conservador de Boris Johnson prevê uma subida nas inscrições: “É um número bom, mas esperamos que cresça de forma bastante significativa, dada a quantidade elevadíssima de inscrições que recebemos nos últimos três meses do ano passado”. Só entre 30 de setembro e 30 de dezembro de 2020, mais de um milhão de pessoas apresentaram candidatura a um de dois estatutos: cidadão “pré-estabelecido” ou cidadão “estabelecido”.
O novo processo de regularização do estatuto destina-se aos europeus que já estavam a viver no Reino quando terminou o período de transição da saída da União Europeia (31 de dezembro de 2020), mesmo que só tenham chegado um dia antes desse limite. Para poderem permanecer indefinidamente, todos têm de inscrever-se até 30 de junho deste ano.
Depois dessa data um cidadão europeu sem documentos passa a estar ilegalmente no Reino Unido e pode ser repatriado. Ainda assim estão previstas exceções (a divulgar nas próximas semanas) para quem não conseguir enviar todos os documentos até 30 de junho. Foster aconselha o envio “rápido” das candidaturas e revela-se “muito satisfeito com os cinco milhões de inscrições”.
Nem tudo está a correr bem
As pessoas que estejam a viver no Reino Unido há menos de cinco anos receberão o estatuto de “pré-estabelecido” (se conseguirem provar que cumprem o requisito). Quem enviar documentação que comprove a residência no país há mais de cinco anos pode inscrever-se diretamente no estatuto de “estabelecido”. Ambos os documentos permitem ao portador trabalhar, estudar, viajar, ter acesso à saúde e também a subsídios de assistência social, caso consiga provar que precisa de ajuda.
Algumas pessoas estão a ter dificuldades em preencher as inscrições. Exemplo disso é a notícia avançada pela agência Lusa, em dezembro de 2020, de que 46% dos portugueses com níveis de escolaridade mais baixa dizem não ter conhecimento do novo sistema de regularização de emigrantes.
Foster diz ter “consciência” de que “há muito a fazer ainda e muito a melhorar até 30 de junho”. Anunciou por isso, esta quinta-feira, um reforço do investimento em “organizações comunitárias no terreno” que possam ajudar as pessoas “por exemplo que não entendam muito bem a língua inglesa”.
O novo pacote de 4,5 milhões de libras (cerca de cinco milhões de euros) será entregue a 72 organizações. “A maioria das pessoas tem dito que o processo é relativamente simples, mesmo a partir de um telefone ou de um tablet, mas há quem tenha pedido ajuda aos serviços comunitários, por exemplo, para entender a língua. Decidimos, por isso, reforçar a lista de organizações no terreno que podem ajudar. Esse reforço também vai ser aplicado nas que ajudam quem fala português como primeira língua.”
Não aos vistos para trabalho pouco qualificado, onde trabalham um terço dos portugueses
Desde 31 de dezembro, quem quiser trabalhar no Reino Unido terá de se inscrever através do chamado “programa por pontos”. Quero isso dizer que só serão selecionadas para visto de trabalho as pessoas que, por exemplo, tenham promessa de contrato de trabalho de uma empresa reconhecida pelo Governo e salário anual de 26.500 libras ou mais (cerca de 30 mil euros).
Há vistos disponíveis, além do de “trabalhador qualificado” acima descrito: um para “talentos globais”, destinado a trabalhadores no sector das artes, tecnologias digitais, arquitetura; outra para pessoal da área da saúde; outro para estudantes; e esquemas individuais para empreendedores, atletas, conferencistas, especialistas em certas áreas do Direito.
A lista é abrangente mas todos exigem um “patrocinador” local, isto é, um empresário em nome próprio ou uma empresa que tenha previamente garantido ao proponente um contrato de trabalho, estágio, etc. Muitos são temporários e quase sempre exigem que a pessoa possa suportar os seus custos de vida.
Os estudos indicam que pelo menos um terço dos emigrantes portugueses no Reino Unido tem profissões pouco qualificadas, apesar de o grau de licenciados entre os que imigram ter crescido 87% em dez anos, segundo o Observatório da Emigração.
Mercado laboral abalado pela covid-19
Por outro lado, vários empresários nos ramos da hotelaria e agricultura têm expressado receio de que a força laboral interna não consiga suprir as necessidades dos vários mercados. Haverá vistos especiais para estas áreas? O secretário de Estado é direto: “Não”.
Foster explica: “O nosso novo esquema por pontos vai avaliar as inscrições de cada pessoa segundo aquilo que tem para nos oferecer, não segundo o tipo de passaporte que têm. Até aqui havia uma espécie de via aberta para imigrantes da UE e outra para os de outros países do mundo, mas agora já não é assim, a liberdade de movimento acabou. A situação no nosso mercado laboral foi muito afetada por esta pandemia e, por isso, temos de reforçar o seu desenvolvimento interno”.
Foster aconselha, portanto, todos os que desejem trabalhar no Reino Unido depois de 30 de junho a inscreverem-se através deste novo sistema por pontos.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail:afranca@impresa.pt
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