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Internacional

As lágrimas amargas (ou não) de Kim Jong-un

No Dejà Vu desta semana, Bruno Vieira Amaral escreve sobre o pedido de desculpas de Kim Jong-un aos coreanos

Se 2020 já era candidato destacado ao ano mais estranho de sempre, as lágrimas derramadas por Kim Jong-un em público, enquanto pedia desculpas ao povo norte-coreano pelos seus fracassos na liderança do país, levantam suspeitas de que haverá qualquer coisa esquisita no ar além de um vírus zoonótico. Serão sinceras aquelas lágrimas? “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados”, disse o Filho do Homem sem distinguir o choro genuíno do fingido, o que joga a favor do ditador.

Há várias hipóteses. Talvez o Líder Supremo tenha ido passar férias a um resort e tenha deixado no seu lugar um sósia sentimental. Talvez, na solidão blindada do seu palácio, passe as noites a ver filmes lacrimogéneos e a comer baldes de gelado. Talvez ainda sonhe com uma carreira em Hollywood e este discurso seja uma audição para demonstrar as suas qualidades histriónicas e convencer um produtor a contratá-lo. Ou talvez, alertado para a simbologia agressiva e fálica dos novos mísseis balísticos intercontinentais que apresentou ao mundo, tenha refletido sobre os efeitos nocivos da masculinidade tóxica e queira mostrar ao seu povo que os homens também choram noutras ocasiões que não os funerais dos seus amados líderes.

Aquando das mortes de Kim Il-sung, em 1994, e de Kim Jong-il, em 2011, respetivamente o avô e o pai do atual líder da Coreia do Norte e seus antecessores no cargo, vimos imagens impressionantes de manifestações públicas de dor do povo norte-coreano. Nas praças e nas ruas de Pyongyang, as mulheres choravam e gritavam como se tivessem perdido um familiar, e nos edifícios estatais o coro de carpideiras juntava homens e mulheres numa perfeita exibição de sofrimento sincronizado. Mesmo quando alguém se prostrava no chão em aparente desespero, o gesto tinha algo de encenação e de competição coletiva. Nos regimes totalitários que promovem o culto da personalidade do chefe e em que os cidadãos são rigorosamente controlados quer pelas forças do Estado quer pelos seus compatriotas, a morte do líder é um momento de intenso escrutínio.

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