Covid-19. Como se governa um país quando se está infetado? Os exemplos de quatro líderes mundiais
Drew Angerer
Infeção de Donald Trump veio alterar de imediato a agenda da Casa Branca. Facto de estar em campanha pode dificultar a situação de Trump-candidato, impedido de ir a comícios, mas gestão da governação pode ser feita à distância. O Expresso olha para quatro líderes mundiais que foram apanhados pela covid-19 e analisa como ficaram os países durante a doença dos governantes
A mudança foi imediata: assim que na madrugada desta sexta-feira se soube que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estava infetado com SARS-CoV-2, a Casa Branca limpou-lhe a agenda para esta sexta-feira.
Tudo cancelado: um briefing dos serviços de informação pela manhã, um debate com apoiantes num hotel em Washington, um voo para Sanford, na Florida, onde à noite deveria acontecer um comício de campanha. Deveria, mas não vai, o que pode ser uma má notícia para Trump a juntar à da doença: a Florida é um dos chamados “swing states”, estados não raras vezes decisivos para fazer a eleição pender para um dos lados.
Trump não é o primeiro líder político a ficar infetado — aqui está uma lista, não exaustiva, de governantes a quem aconteceu o mesmo. Mas é um de cinco responsáveis máximos de um país, o que obriga a repensar a forma de o conduzir nas, pelo menos, duas semanas em que a quarentena será obrigatória. O que fizeram os outros quatro?
O primeiro foi Boris Johnson. Primeiro-ministro britânico, não sendo um negacionista da covid-19, no início da pandemia também não se coibia de apertar as mãos à porta de hospitais a pacientes infetados. Ficou doente a 27 de março e foi, de longe, um dos políticos cuja saúde foi mais afetada pela covid-19: uma semana de internamento nos cuidados intensivos em estado considerado grave.
O próprio diria mais tarde: “As coisas podiam ter ido para qualquer dos lados.” Foram para a recuperação, mas Johnson, 55 anos à data (agora 56), precisou de mais duas semanas de repouso em casa, até 12 de abril.
Boris Johnson foi o primeiro grande líder político a contrair covid-19
Getty images
Pelo meio, uma equipa de membros do Governo geriu os destinos do Reino Unido, que aliás se via a braços com a primeira grande onda da pandemia. Em termos hierárquicos, o comando estava entregue a Dominic Raab, ministro dos Negócios Estrangeiros e dono do título honorário de Primeiro Secretário de Estado. Assim aconteceu, ainda que sem medidas de maior — o Reino Unido esperou pelo regresso do líder para tomar novas medidas. O Expresso deu aqui conta da primeira reunião interina com Raab.
No mesmo mês de abril, mais a Oriente, novo líder político infetado: o teste positivo de Mikhail Mishustin, primeiro-ministro russo, a 30 de abril, obrigou-o a escolher um substituto interino, que foi o vice, Andrey Belousov. O Presidente Vladimir Putin aceitou a sugestão, assinou o decreto e teve de esperar até 19 de maio para voltar a ver Mishustin na cadeira principal do Governo russo — uma cadeira que ainda nem estava quente, já que Mishustin tomou posse em janeiro de 2020.
Mikhail Mishustin, primeiro-ministro russo, esteve quase 30 dias fora de funções por causa da covid-19. Foi substituído interinamente por Andrey Belousov
REUTERS
O primeiro-ministro, de 54 anos, esteve internado, em situação de severidade moderada, mas não deixou de assistir a várias reuniões, através de videoconferência. E, sempre que possível, também não deixou de usar fato e gravata para o fazer.
Sensivelmente na mesma altura, mas a mais de sete mil quilómetros, Nuno Gomes Nabiam, primeiro-ministro da Guiné Bissau, estava internado num hospital da capital do país com vários membros do Governo que lidera.
Aos 53 anos, o responsável guineense não teve problemas de maior para lidar com a doença, mas a estratégia adotada foi a de um “isolamento coletivo”, no mesmo hospital, mantendo-se assim a gestão do Governo.
A notícia da infeção veio a 28 de abril e, um dia depois, à DW África, Nabiam dizia: “As diligências estão a ser tomadas a nível da Presidência do Conselho de Ministros. Estão a criar as condições onde eu vou estar, para, a partir de lá [unidade hoteleira], poder dirigir os trabalhos do dia a dia do Governo.”
Nuno Gomes Nabiam esteve em Portugal já depois de ter recuperado da covid-19, em julho
PATRICIA DE MELO MOREIRA
A 7 de maio, a mesma fonte citava o líder da Guiné-Bissau: “Estou em condições de voltar ao meu trabalho e assumir as minhas muitas responsabilidades enquanto primeiro-ministro.” Nos 10 dias de isolamento, Nabiam não delegou a governação do país, ainda que tenha admitido ter passado “um mau bocado” nos primeiros dias de infeção.
Por fim, Jair Bolsonaro, 65 anos. Antes de Trump, foi o líder político de maior renome a ser infetado com a covid-19, com a particularidade de ser um dos que mais desvalorizou a doença desde que ela se tornou conhecida.
O Presidente brasileiro não teve as dificuldades de, por exemplo, Boris Johnson, mas teve três testes positivos: 7, 14 e 22 de julho. Só à quarta, a 26, o teste negativo permitiu que Bolsonaro voltasse à atividade normal, o que aconteceu no dia seguinte.
Sem necessidade de internamento, Bolsonaro passou os 20 dias de doença em quarentena no Palácio do Planalto, em Brasília, com uma rotina bem definida, que incluía lives para as redes sociais, reuniões ministeriais à distância e um passeio ao final da tarde, para ver o arriar da bandeira e dar comida às emas (espécie semelhante à avestruz, nativa da América Latina) que ocupam a residência oficial da Presidência.
Bolsonaro e uma das emas (espécie semelhante à avestruz) que alimentava durante a quarentena na residência oficial da Presidência brasileira, na capital Brasília
SERGIO LIMA
Bolsonaro também não teve ninguém como interino no cargo, e aproveitou o tempo de reclusão para reagendar as viagens que tinha previstas, como as que fez logo à seguir à região do Nordeste, bastião do petismo — ou seja, dos apoiantes do Partido dos Trabalhadores, de Lula da Silva.
Pelo meio da quarentena, chegou a dizer à CNN: “Aguardo com bastante ansiedade [um teste positivo] porque não aguento esta rotina de ficar em casa. É horrível.”
Além destes, Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, e Pedro Sanchez, homólogo espanhol, foram forçados a uma quarentena após os testes positivos das esposas.
E Trump?
Ainda não é certo como se fará a gestão da Presidência norte-americana nas próximas semanas. O direito constitucional está garantido ao vice, Mike Pence, mas as dúvidas prendem-se com a gravidade da situação de Donald Trump, por ora desconhecida. Os sintomas, porém, são “leves”, segundo um oficial da Casa Branca citado pela CNN.
Por mais do que uma razão, o Presidente norte-americano faz parte do grupo de risco. Não só está acima dos 70 anos (tem 74) como sofre de obesidade (pesa 110 quilos). Sobre outras doenças nada se sabe, o que não significa que não as tenha, uma vez que o histórico médico de Trump é mantido em segredo.
Por agora, a agenda da Casa Branca fica livre de encontros presenciais. Para esta sexta-feira, apenas um evento se mantém: uma chamada telefónica sobre “apoio covid-19 a idosos vulneráveis”.
Sean P. Conley, médico da Casa Branca, escreveu em comunicado que espera que “o Presidente continue a cumprir as suas funções sem interrupções durante a recuperação”. “Vou mantê-los atualizados sobre quaisquer desenvolvimentos futuros.”