Internacional

Xinjiang. Depois das acusações de genocídio étnico, a história de uma mulher uigur esterilizada aos 50 anos

Xinjiang. Depois das acusações de genocídio étnico, a história de uma mulher uigur esterilizada aos 50 anos
MARK RALSTON

Qelbinur Sidik é a mensageira de mais um capítulo da campanha de opressão do Governo chinês contra a minoria muçulmana uigur. Aos 50 anos, foi obrigada à esterilização para evitar gravidez. Três anos antes, ela e a única filha tiveram de colocar um dispositivo intra-uterino. É uma das estratégias para o regime diluir aquela minoria

Os uigures, uma minoria muçulmana, espalham-se sobretudo pela região de Xinjiang, no noroeste da China, uma zona que faz fronteira com o Paquistão e o Afeganistão. Se em meados do século XX representavam quase a totalidade da população daquela região (22 milhões de pessoas), agora 40,5% já são da etnia han, a que pertencem quase a totalidade do povo chinês. Os uigures e os que lutam pelos direitos humanos desta minoria têm falado, nos últimos tempos, em limpeza étnica: o Governo chinês quer diluir a concentração daquela religião, fazê-los desaparecer, interná-los “em unidades hospitalares” de “recondução ideológica”.

Os jornais têm sido os mensageiros dos horrores daquela região. Nas últimas horas foi a vez de Qelbinur Sidik, uma professora obrigada a dar aulas em campos de internamentos, que decidiu falar ao “Guardian”. De acordo com Sidik, o Governo chinês tem investido numa campanha agressiva para interromper a natalidade entre as minorias muçulmanas daquele país.

Aos 50 anos, contou ao diário inglês, o Governo impôs a sua esterilização como se fosse um animal. Três anos antes, em 2017, já havia sido castigada com a insistência de que deveria colocar um dispositivo intra-uterino, para evitar qualquer risco de gravidez (e colocou). Tanto ela como a única filha, uma jovem na altura estava na universidade, receberam essa pressão. Ao diário inglês, Sidik revelou que recebeu mensagens das autoridades chinesas, em 2019, a indicar que as mulheres entre 19 e 59 deveriam colocar esse dispositivo ou serem esterilizadas.

Esta mulher uigur revelou ao “Guardian” que o Governo chinês ameaça constantemente estas mulheres das minorias muçulmanas e fez mesmo chegar à redação do diário britânico uma mensagem que recebeu no passado. “Se acontecer alguma coisa, quem vai assumir a responsabilidade por você? Não jogue com a sua vida, nem pense tentar. Estas coisas não são apenas sobre você. Tem de pensar nos membros da sua família e nos familiares à sua volta”, podia ler-se.

Mas a ameaça subiu de tom: “Se nos enfrentar na sua porta e rejeitar colaborar, irá para a estação de polícia e vai sentar-se na cadeira de metal”.

Sidik começou por contar a sua história em anonimato, mas desde que o marido a deixou preferiu avançar, sem medos e receios, usando o seu nome verdadeiro. O facto de ter sido registada pela mãe como uzbeque, quando nasceu, mudou o seu fado e, apesar de se sentir uma uigur, esse pormenor garantiu-lhe a possibilidade de sair da China, que aconteceu no final de 2019.

A natalidade recuou 60% entre 2015 e 2018, nas regiões de Hotan e Kashgar

Uma investigação da Associated Press, aqui citada no artigo do “Guardian”, dá força à tese de “genocídio demográfico”. E as estratégias são várias: internamentos, acampamentos, multas, trabalhos forçados, sentenças de prisão para aqueles que são acusados de ter muitos filhos e, como vimos agora, esterilização à força. Ainda segundo a AP, a natalidade recuou 60% entre 2015 e 2018, nas regiões de Hotan e Kashgar, onde a maioria é uigur. A nível nacional a cantiga é outra: queda de apenas 4.2%.

Recorrendo ainda ao texto do Expresso mencionado anteriormente, que remonta a agosto do ano passado, Rushan Abbas, do Campaign for Uyghurs, sugeria então que os “interesses económicos” tem-se sobreposto a tudo o resto e toda a sua frustração vem disso. “Há um ano toda a gente podia dizer que não sabia, há dois anos e há três também, mas agora ninguém pode dizer que não sabe”, defendia ao Expresso.

Tal como disse na altura também Nury A. Turkel,diretor e fundador do Uyghur Human Rights Project: “A China usa o seu dinheiro para comprar o silêncio de todos os países. Depois da Segunda Guerra Mundial, ninguém estava preparado para isto, ninguém estava preparado para uma nova limpeza étnica e um genocídio cultural”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate