Quem se recorda de Bill Clinton há oito anos, quando o ex-Presidente fez aquele que foi de longe o melhor discurso da convenção que nomeou formalmente Barack Obama como candidato democrata à reeleição (e Obama não é conhecido por lhe faltarem qualidades oratórias), poderá ter estranhado a prestação dele este ano. Ao intervir na convenção virtual dos democratas, o ex-Presidente falou menos de cinco minutos, num segmento onde também constava Jimmy Carter, que foi presidente entre 1977 e 1981. Porquê tão pouco tempo?
Ed Kilgore, do site nymag.com, é um dos comentadores que relacionam isso com dois fatores essenciais. Um é o movimento #MeToo e a intolerância crescente em relação às histórias de assédio sexual, ou pior (uma mulher, Juanita Broaddrick, acusa-o há muito de violação), associadas ao antigo presidente. Outra é o facto de as políticas de Clinton, sobretudo em matéria de crime e de comércio-livre, serem hoje rejeitadas pela ala esquerda do seu partido, que o candidato democrata Joe Biden tem de conciliar para vencer a eleição em novembro.
Ao remeter Clinton para uma posição relativamente discreta, os organizadores da convenção piscam o olho aos partidários de Bernie Sanders, o senador do Vermont que se descreve abertamente como socialista, uma raridade extrema na política americana. Dado que muitos desses eleitores são jovens, é especialmente importante mobilizá-los numa altura em que a vitória sobre Trump depende de haver uma afluência suficiente às urnas por parte dos democratas.
Assim, Clinton falou pouco tempo. Mas disse aquilo que o partido queria ouvir dele, nomeadamente ao atacar Donald Trump. Uma passagem citada por Kilgore é um bom resumo: "Se querem um Presidente que defina o seu trabalho como passar horas por dia a ver televisão e a 'zapar' pessoas nas redes sociais, ele é o vosso homem. Negar, desviar o assunto e humilhar funciona muito bem se se está a tentar entreter e inflamar. Numa crise real, colapsa".
A reiteração da incompetência do atual Presidente, feita por um ex-Presidente associado a um período de prosperidade do qual muitos americanos têm hoje saudades, era o que se pedia a Clinton, e que ele fez com a sua habitual verve, desta vez condensada.
Também aí, como no formato, esta convenção marcou a diferença. Entretanto, Biden já foi formalmente nomeado, e o seu discurso formal de aceitação está marcado para quinta-feira. Quarta-feira, entre outros oradores, falaram Hillary Clinton, Barack Obama e Kamala Harris, a candidata a vice-presidente.
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