Primeiro foram os movimentos de defesa dos direitos civis a apelar ao boicote ao Facebook por causa da sua política supostamente demasiado branda e tolerante em relação à publicação de posts e anúncios com conteúdos que incitam ao ódio, racial e não só, e com informações falsas que condicionam o comportamento dos cidadãos. Mas o impacto maior terá sido causado pela sucessão de empresas que anunciaram que iam deixar de pagar por publicidade naquela e noutras redes sociais. Foi o que fizeram a Coca-Cola, a gigante operadora de telemóveis norte-americana Verizon ou a Unilever, uma das maiores multinacionais de bens de consumo.
Coincidência ou não, à ameaça de perdas enormes na faturação e à queda do valor das ações seguiu-se o anúncio de que a maior rede social (cerca de 2,6 mil milhões de utilizadores ativos no mundo) iria por em prática novas regras de controlo sobre publicações e anúncios. A mudança foi anunciada sexta-feira pelo próprio fundador da empresa, Mark Zuckerberg, na sua página.
“As eleições (presidenciais) de 2020 já estavam a provocar agitação e isto mesmo antes da complexidade de termos uma votação durante uma pandemia e dos protestos contra a discriminação racial que aconteceram no país. Durante este período, o Facebook terá precauções adicionais para que todas as pessoas se sintam seguras, informadas e, mais importante que tudo, consigam usar a sua voz onde importa mais – nas urnas”, declarou Zuckerberg.
No mesmo texto, o multimilionário garante que o escrutínio e retirada de publicações que instigam o ódio já é prática recorrente naquela rede e explica que as medidas de reforço agora anunciadas estavam a ser trabalhadas há meses. Quaisquer mensagens, em anúncios ou posts, que insinuem ou digam que as pessoas de uma determinada raça, étnia, nacionalidade, religião, afiliação, orientação sexual, identidade de género ou estatuto de imigrante são uma ameaça à segurança física, à saúde ou sobrevivência de outros serão eliminadas.
E, à semelhança do que o Twitter já começou a fazer, irá assinalar mensagens que violem as regras da rede social. Mas não irá necessariamente retirá-las. “Iremos permitir que as pessoas partilhem, tal como fazemos com outros conteúdos problemáticos, porque é importante discutir o que é aceitável na nossa sociedade. Mas acrescentaremos um aviso dizendo às pessoas que o conteúdo que estão a partilhar pode violar a nossa política. E se entendermos que podem levar à violência ou afastar as pessoas do seu direto de voto, eliminamos de imediato esse conteúdo. Mesmo que os autores sejam políticos”.
A referência assenta que nem uma luva em algumas declarações recentes de Donald Trump, que já foram alvo do reparo na rede Twitter, que até é mais usada pelo presidente norte-americano. Por exemplo, uma declaração garantindo que os votos por correspondência conduzem á fraude mereceu o aviso “confira os factos”.
O homicídio de George Floyd em maio por um agente da polícia norte-americana motivou igualmente uma série de ‘posts’ muito criticados pelo seu caráter incendiários. Trump chamou “bandidos” aos manifestantes e escreveu: “Quando os desacatos começarem, os disparos vão acontecer.” Apesar dos pedidos, os comentários permaneceram públicos na rede.
A pressão dos anunciantes
Na sexta- feira, a gigante Unilever, que segundo dados citados pela imprensa norte-americana, gastou mais de 37 milhões de euros em publicidade no ano passado nesta plataforma nos Estados Unidos, foi uma das mais recentes a anunciar que ia deixar de pagar por publicidade no Facebook, no Instagram e no Twitter naquele país: “A polarização (do debate político) nos Estados Unidos coloca nas marcas uma responsabilidade acrescida para dar resposta e agir no sentido de contribuir para um ecossistema digital seguro e de confiança. Iremos continuar a trabalhar com estas plataformas para criar soluções que resolvam o problema da divisão e do discurso de ódio. As nossas marcas tomam esta decisão conjunta até ao final do ano. Continuaremos a monitorizar a situação e reavaliaremos a nossa decisão se necessário”.
Segundo a imprensa internacional, as ações do Facebook e do Twitter caíram 7% depois deste anúncio.
Também na sexta-feira, a Coca-Cola anunciou decisão semelhante, com a seguinte explicação do CEO, James Quincey: “Não há lugar para o racismo no mundo e também não pode existir nos media sociais. O grupo Coca-Cola irá suspender o pagamento de anúncios nestas plataformas pelo menos por 30 dias. Durante este período vamos reavaliar a nossa política de publicidade para ver se são necessárias mudanças. Também esperamos maior responsabilização e transparência dos nossos parceiros.”
Honda, Levis, Patagónia e North Face são outros exemplos de empresas que decidiram suspender a publicidade na rede de Zuckerberg e apoiar assim a campanha “Stop Hate for Profit”, lançada no mês passado por organizações que lutam contra a discriminação social. De acordo com os promotores, 99% dos 70 mil milhões de dólares das receitas anuais desta rede proveem da publicidade lá colocada.
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