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“Dentro de um quarto de hora posso decidir ser português: sou livre, sou livre, sou livre”: Leoluca Orlando, o homem da lei sagrada

Leoluca Orlando fotografado no centro histórico da cidade que lidera: Palermo, Sicília
Leoluca Orlando fotografado no centro histórico da cidade que lidera: Palermo, Sicília
MARCELLO PATERNOSTRO/Getty

A máfia, os migrantes, a covid-19: esta é uma entrevista sem tabus ao Expresso. Leoluca Orlando é o presidente da Câmara de Palermo que mais tempo somado esteve à frente da capital da Sicília, antigo paraíso dos mafiosos: 15 anos no total. Mas há quase 40 que luta contra a máfia, um espectro que paira de novo sobre a cidade, engolida pelo desemprego que já era grave e que só piorou com a crise pandémica. Conhecido pelas suas políticas católicas de esquerda (um exemplo: “sou católico e celebrei o primeiro casamento entre dois homens em Palermo”), diz que nunca negou nem nunca há de negar a entrada de qualquer migrante na cidade. É o vencedor deste ano do prémio humanitário “Freedom from Fear” e para ele há uma lei sagrada que se impõe a todas as demais - os direitos humanos. “A minha primeira liberdade não é ser como nasci, é ser o que escolho ser. A identidade deve ser escolhida. Sou contra essa coisa da pertença pelo sangue”

“Dentro de um quarto de hora posso decidir ser português: sou livre, sou livre, sou livre”: Leoluca Orlando, o homem da lei sagrada

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Leoluca Orlando, 72 anos, três vezes presidente da Câmara de Palermo, o homem com o eterno alvo nas costas, que a memória funda da máfia mantém no livro negro, não quer mais do que ser a forma humana da leveza. É isso que quer também para a sua cidade. Não é tanto a leveza em Milan Kundera, descrita como espécie de negligência ou desinteresse que nos afasta do peso que as coisas importantes devem ter, mas a de Italo Calvino, que tantas vezes convoca para explicar a evolução de Palermo desde os caóticos anos do domínio da máfia. Em Calvino, a leveza é a forma de adquirir perspetiva sobre um problema, aceder a uma forma nova de entender algo complexo, que não se resolve de imediato, uma estratégia para mudar o que podemos e aceitar que há coisas que não cabem nessa categoria. Orlando mudou quase tudo durante os seus três mandatos autárquicos - num total de 15 anos não consecutivos. Diz que respeita primeiro os direitos humanos e depois as leis feitas por homens acima dele, clara referência ao ex-ministro do Interior Matteo Salvini, com quem teve zangas por se recusar a aplicar em Palermo o decreto que proibia portos italianos de aceitarem o desembarque de migrantes. Nem aceita esse rótulo para os que recebe na cidade e luta para impor o fim das autorizações de residência, que, até serem emitidas, impedem quem chega de trabalhar. Incombustível, nunca se deixou tocar pela chama populista, fácil numa cidade de gente tão carente como Palermo, nem pelas ameaças de Salvini, que quis pôr-lhe o exército nas ruas. É o vencedor este ano do prémio humanitário “Freedom from Fear”, mas ainda tem medos: que a paralisação do Estado italiano e da UE deixe as famílias sem ajudas e crie novos recantos de miséria para a máfia ocupar e medo de que a Europa seja dominada por políticos que “vivem no eterno presente” e assim destroem qualquer possibilidade de paz. Orlando dava aulas de Direito na Universidade de Palermo quando aceitou ser assessor para os assuntos jurídicos de Piersanti Mattarella, irmão mais velho do atual Presidente italiano, assassinado em 1980 por tentar limpar o governo regional da influência da máfia. Orlando estava ao lado do corpo quando a polícia chegou e, passados cinco anos, já tinha as rédeas da cidade. Nunca negou um desembarque a um barco de resgate de migrantes. Acredita em Deus mas não sabe, nem o preocupa saber, o Seu nome.

Foi autarca de Palermo em várias “eras” da cidade: 1985-1990, 1993-2000 e de 2012 até agora. O que foi mais difícil? Destronar a máfia, promover a aceitação de migrantes em Itália ou enfraquecer este vírus?
Começo por dizer que é possível que esteja a confundir-me com outro autarca e peço-lhe que verifique os apontamentos. É que nunca dei nenhuma entrevista nem fiz intervenções públicas sobre o tema dos migrantes em Palermo porque em Palermo não há migrantes [gargalhada].

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